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sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

NÓS, O PISTOLEIRO, NÃO DEVEMOS TER PIEDADE



Nós estamos numa pequena cidade do Texas, em 1880.
Nós somos um temível pistoleiro.
Nós estamos num bar, Tomamos uísque a pequenos goles.
Nós temos um olhar soturno. Passado terrível. Muitas mortes. Remorsos.
A porta se abre.
Entra um mexicano chamado Alonso. Dirige-se a nós, o pistoleiro, com desrespeito. Chama-nos de gringo, ri alto, faz tilintar as esporas.
Nós continuamos bebendo o uísque a pequenos goles.
O mejicano dá-nos uma bofetada.
Quer morrer, este Alonso.
Nós não queriamos matar mais ninguém.
Abriremos uma exceção para Alonso, cão mejicano.
Combinamos o encontro fatídico para o dia seguinte, ao raiar do sol.
Alonso dá-nos mais uma bofetada e vai-se.
Ficamos pensativo, bebendo o uísque a pequenos goles. Depois atiramos uma moeda de ouro sobre o balcão e saímos.
Caminhamos lentamente, arrastando os pés, até nosso hotel.
A população olha-nos. Sabem que somos um temível pistoleiro, Pobre mexicano, pobre Alonso.
Amanhã. Entramos no hotel, subimos ao quarto, deitamo-nos sem ao menos tirar as botas.
Ficamos a olhar o teto, a fumar, a pensar. Fumamos muito. Pensamos pouco: muitas mortes. Remorsos.
E já é manhã. Levantamo-nos. Colocamos cinturão. Examinamos revolveres. Inspeção de rotina, completada em poucos minutos.
Descemos. A rua está deserta, mas por trás das cortinas corridas adivinhamos a população. O vento sopra, levantando turbilhões de poeira.
Mesmo vento, mesmo oeste. Rotina. Alonso já nos espera. Quer morrer, este mejicano.
Está rindo. É manhã. Amanhã não rirá.
Colocamo-nos frente a ele. Um pistoleiro de olhar soturno, passado terrível, muitas mortes.
Vemos um mejicano.
Pobre diabo.
Comia tortillas, já não comerá.
Tem mulher e cinco filhos pelo que informaram, um pedaço de terra e uma guitarra. A mulher e os filhos enterrarão o cadáver, fecharão a palhoça e seguirão para Vera Cruz, as trouxas de roupa à cabeça.
A mulher ficará tuberculosa.A filha mais velha será prostituta.Um filho ladrão. Outro morrerá. E outro morrerá. E outro morrerá.
Os olhos se nos turvam. Remorsos.
Uma lágrima cai sobre o chão poeirento.
O mejicano já não ri. Aguarda o momento de ser morto.
Já é manhã, mas ainda não o executamos.
Pobre Alonso. A unica exceção. Uma bofetada, outra bofetada.
Ninguém deu duas bofetadas num pistoleiro.
Não comerá mais tortillas. Os dentes podres daquele homem. O olhar aterrorizado. Nosso olhar turvado: novas lágrimas, lágrimas frescas.
Não conseguimos sacar nossos revolveres, como de rotina.
E assim vamos vendo Alonso puxar sua arma, vamos ouvindo o disparo, podemos até imaginar a bala vindo ao nosso coração, sentimos dor intensa, lento tombamos.
Morremos, diante do riso de Alonso, o mexicano.

MOACYR SCLIAR






                     Moacyr Jaime Scliar (Porto Alegre,23 de março de 1937--Porto Alegre,27 de fevereiro de 2011),foi um escritor brasileiro.Formado em medicina trabalhou como médico especialista em saúde pública e professor universitário,sua vida na literatura consistiu em crônicas,contos,romances,ensaios e literatura infanto-juvenil.Escreveu obras como: O Sertão Vai Virar Mar,O Exército de um Homem Só,Guerra no Bom Fim,O Centauro no Jardim.
           Filho de José e Sara Scliar, Moacyr nasceu no Bom Fim, bairro que concentra a comunidade judaica. Alfabetizado pela mãe, professora primária, a partir de 1943 cursou a Escola de Educação e Cultura, daquela cidade, conhecida como Colégio Iídiche. Transferiu-se, em 1948, para o Nossa Senhora do Rosário,o mesmo que era um colégio católico
          Em 1963, após se formar pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, iniciou sua vida como médico, fazendo residência médica. Especializou-se no campo da saúde pública como médico sanitarista. Iniciou os trabalhos nessa área em 1969. Em 1970, frequentou curso de pós-graduação em medicina em Israel. Posteriormente, tornou-se doutor em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública. Foi professor da disciplina de medicina e comunidade do curso de medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.
        Publicou seu primeiro livro, “Histórias de um Médico em Formação”, em 1962.
        Em 1965, casou-se com Judith Vivien Oliven.
        Em 1968, publicou o livro de contos "O Carnaval dos Animais", que o autor considera de fato sua primeira obra.
        Especializou-se no campo da saúde pública como médico sanitarista. Iniciou os trabalhos nessa área em 1969.
        Em 1970, frequenta curso de pós-graduação em medicina em Israel, sendo aprovado. Posteriormente, tornou-se doutor em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública.
        Seu filho, Roberto, nasce em 1979.
        A convite, tornou-se professor visitante na Brown University (Departament of Portuguese and Brazilian Studies), em 1993, e na Universidade do Texas, em Austin.

        Em 31 de julho de 2003 foi eleito, por 35 dos 36 acadêmicos com direito a voto, para a Academia Brasileira de Letras, na cadeira nº 31, ocupada até março de 2003 por Geraldo França de Lima, tomou posse em 22 de outubro daquele ano, sendo recebido pelo poeta gaúcho Carlos Nejar.
        E infelizmente em 27/02/2011, em Porto Alegre (RS),Scliar morre vítima de falência múltipla de órgãos.

Disponível em: http://mscliar.blogspot.com.br/2011/08/biografia.html



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