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terça-feira, 28 de setembro de 2010

Contos

Inácio da Diná

                                           flickr.com/photos/af_rodrigues/2183721143/

Uma casa (?) de madeira caindo aos pedaços em alguma das margens do rio Capibaribe. Numa das margens? Coisa de grande monta escrever assim. Talvez alguma área de lama em algum braço morto do rio. Um pedaço de mangue ainda não aterrado em nome do progresso. E, sobre o progresso, nestes espaços, para que falar? O mau cheiro das águas parecia vasculhar o perfil do casebre e dos outros casebres alinhados em torno. Qualquer olhar a se nortear pelo espaço afora, conseguiria ver ao longe os grandes edifícios quase envoltos pela penumbra do entardecer.
Um bulício de gente. Ordens. Militares fardados. Mulheres. Umas em prantos. Outras falando coisas por falar. Homens maltrapilhos, descalços. Crianças de barrigas inchadas, nuas, magras. Na realidade, tudo em olhos de espanto. Olhos de comiseração. Olhos de fome e, por que não dizer, olhos de miséria e desconfiança? Policiais militares. Policiais civis. Homens de branco saindo do casebre. Um corpo envolto num lençol sujo. Um rosto de menina. Olhos arregalados injetados de sangue.
E sangue. Tudo sangue nessa periferia cidadã. E o rio sujo. O braço morto do rio apresentando o trágico: a vida zumbi de homens e mulheres e meninos e meninas. Contraste com os homens fardados, os homens de branco, Contraste com o fumo hollywood, carlton em mistura com o fumo barato e às cachimbadas dos velhos mais distantes, acocorados, catando coisas invisíveis na lama marginal.

E aos olhos de Inácio, o corpo ensangüentado de Diná envolto no lençol sujo. Os cabelos de Diná: as tranças caídas e se balançando ao vento. E aos olhos de Inácio, as imagens do homem: nu e bestificado em cima do corpo da irmã, subindo e descendo, subindo e descendo, fazendo o sangue escorrer no chão de lama. Subindo e descendo, sem ligar aos gritos, sem ligar aos movimentos ásperos de fuga do pequeno corpo de treze anos.

E, aos olhos de Inácio, o olhar do homem. A faca nas mãos, gestos rápidos de fuga, vestindo-se, ameaçando-o, batendo-lhe no rosto com a palma da mão direita, suada, sangrando de alguma mordida da Diná. Diná se escondendo como um pequeno animal assustado. Um cãozinho que houvesse sofrido uma grande surra e, depois, o grito, o pulo sobre o homem, a mordida na garganta e Inácio vendo a faca subindo e descendo, subindo e descendo, subindo e descendo e o corpo da menina no mole, mole, caindo sobre a lama.

Que fazer com o garoto? Levá-lo. Para onde? Nada de perguntas idiotas! O menino não tem ninguém por ele. É órfão. É de menor idade. Para a Fundação? Não. Juizado primeiro. Vamos ver se ele nos diz alguma coisa.

Dizer o quê? Não conhecia o homem. Se era dali do meio deles? Não. Nunca o tinha visto. Você está mentindo garoto. Não, não senhor, nunca vi ele. Primeira vez hoje. Nunca o vi. Nunca vi ele.

Você vai para a escola, falou a mulher toda cheirosa de perfume. Você vai aprender a ler, escrever, trabalhar. Vai ser um homem. Vai esquecer tudo isso. Aprenderá tudo na escola.

A escola? Que seria aquela escola para os seus onze anos? Muitos meninos. Meninos maus. Meninos tristes. O Carola, que fumava cigarros cheirosos encarrapitado no imenso pé de jaca? O Bonifácio, que metera um canivete nas nádegas do vigilante? O Enildo, que dormia na cama de todo mundo e tinha um jeito de menina? O Espiridião, muito alto, negro como carvão e de quem todos tinham medo e diziam que já “despachara” dois caras da polícia lá pelas bandas do bairro dos Afogados?

A escola? Ele não podia esquecer a escola. A mulher cheirosa de perfume ele lembrava pouco. Só a vira uma vez. Mas a escola ensinara muita coisa. Ensinara a andar macio como um gato. Ensinara a fumar aqueles cigarros cheirosos. Ensinara a usar um canivete. E o Bonifácio fora o melhor dos professores. Aprendera com ele a lidar com as ruas da cidade do Recife, com os edifícios, com as pontes, com os homens, com as mulheres, com os soldados, com os carros…

E com o rio?...

O rio não. Do rio ele tinha medo. O rio lembrava Diná. O sangue de Diná na lama. O rio lembrava a morte. Ele não sabia fazer nada contra o rio. Lidar com homens e mulheres, com os tiras, era muito fácil. Uma vez, um policial civil quase o prendera. Usou de todas as artimanhas, sabedorias do mestre Bonifácio, ofereceu metade do apurado do roubo recente e ficou livre. Os homens são fáceis. As mulheres são fáceis. Mas o rio não é fácil. Nunca o rio, nunca aquele tiro e esse medo de morrer.

Correu pelo calçadão da Rua da Aurora. Escutava atrás dele as fortes pisadas dos policiais e gritos de raiva. Uma sirene aberta fez doer os seus ouvidos. O sangue molhava sua camisa e pingava sobre o calçadão. Se fossem só os homens! Mas agora era tudo! Os edifícios pareciam rir dentro da noite. As ruas metiam medo. Pareciam repletas de fantasmas. Como se apiedando de sua situação a noite escondeu a lua por trás de uma imensa nuvem. Tinha de se esconder logo. Não agüentava mais. Com um salto felino se jogou nas águas escuras. O corpo caiu na lama. Arrastou-se sofregamente e conseguiu se esconder sob a ponte de ferro, deitando o corpo cansado num dos vãos abertos entre duas colunas.

Dormiu e sonhou com Diná. Sonhou com Diná e com a cidade. Os edifícios voando sobre sua cabeça, transformando-se em imagens de demônios. Sonhou com Diná e com o rio. A maré baixa. A maré alta. A maré subindo e nunca descendo. Subindo e nunca descendo. A água tocando seus pés descalços. O frio. O frio. O frio…

Com o corpo meio roído pelos siris ou caranguejos, num dos vãos abertos entre duas colunas, sob a ponte da Boa Vista, com uma bala nas costelas e um sorriso nos lábios, foi encontrado morto às onze horas do dia seguinte, o corpo de Inácio da Diná.

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Rafael Rocha Neto

ESPELHO DA ALMA JANELA E OUTROS CONTOS, Recife 2009 -

Ler mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.

Desenredo





Jó Joaquim era um homem pacato e muito respeitado. Conheceu Vilíria e logo sentiram-se atraídos um pelo outro. Jó Joaquim apaixonou-se por ela e os dois começaram a viver um caso de amor clandestino.

O marido tinha fama de muito valente e ciumento, o que fazia com que os dois tivessem de se desdobrar em cuidados para não serem descobertos. Ninguém sabe como e quando se viam. Sabe-se apenas que Jó Joaquim vivia solitário a esperá-la.

Um dia o marido apanhou a mulher em flagrante com um terceiro. Matou o amante e assustou a mulher ferindo-a. Jó Joaquim não podia crer. Sofreu, chorou e amaldiçoou seus amores com tal mulher. Decidiu afastar-se dela, pois não queria mais ficar em segundo plano.

O marido faleceu e quando Jó Joaquim soube, voltou a encontrar-se com sua amada. Ela, com sua sutileza, envolveu-o até que acabaram por casarem-se. E, então, foi Jó Joaquim quem a surpreendeu com outro homem. Não a matou porque a amava, mas a expulsou.

O povo ficou dividido, alguns reprovaram outros aprovaram sua atitude. Jó Joaquim ficou arrasado com a separação. Por desejar demais a felicidade, Jó Joaquim começou a empenhar-se em redimi-la. Começou a convencer a si próprio e aos outros de que ela nunca tivera amantes. E soube muito bem modificar a situação, transformando aquela realidade. Adorava-a, tendo-a por justa.

Com o passar do tempo tudo o que a mulher fizera foi esquecido. Todos acreditavam em sua honestidade e Jó Joaquim mais que todos.Por fim, chegou ao conhecimento da mulher o empenho de seu marido em apagar o passado. Voltou sem culpa e cheia de dengos. Jó Joaquim e Vilíria voltaram a viver juntos e usufruíram das raras oportunidades de felicidade que a vida oferece.

(Guimarães Rosa)


http://tatianflor.vila.bol.com.br/tatiana.html

domingo, 26 de setembro de 2010

Lisbela e o Prisioneiro



"Ela é tão rica e eu tão pobre
Eu sou plebeu, ela é nobre
Não vale `a pena sonhar"

Música de Newton Teixeira
Letra de Jorge Faraj
(1940)

Versos à boca da noite


“Sinto que o tempo


sobre mim abate

sua mão pesada.

Rugas, dentes, calva...

Uma aceitação

maior de tudo,

e o medo de novas

descobertas.”

(Carlos Drummond de Andrade)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Exercícios

(FUVEST – 2001)

Teu romantismo bebo, ó minha lua,
A teus raios divinos me abandono,
Torno-me vaporoso... e só de ver-te
Eu sinto os lábios meus se abrir de sono.

Neste excerto, o eu-lírico parece aderir com intensidade aos temas de que fala, mas revela, de imediato,
desinteresse e tédio. Essa atitude do eu-lírico manifesta a:

a) ironia romântica
b) tendência romântica
c) melancolia romântica
d) aversão dos românticos à natureza
e) fuga romântica para o sonho

RESPOSTA: A

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei...que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!
 (Álvares de Azevedo)

A característica do Romantismo mais evidente nesta quadra é:

a) o espiritualismo
b) o pessimismo
c) a idealização da mulher
d) o confessionalismo
e) a presença do sonho

Resposta: C

Minh’alma é triste como a rola aflita
Que o bosque acorda desde o albor da aurora,
E em doce arrulo que o soluço imita
O morto esposo gemedora chora.

A estrofe apresentada revela uma situação caracteristicamente romântica. Aponte-a.

a) A natureza agride o poeta: neste mundo, não há amparo para os desenganos morosos.
b) A beleza do mundo não é suficiente para migrar a solidão do poeta.
c) O poeta atribui ao mundo exterior estados de espírito que o envolvem.
d) A morte, impregnando todos os seres e coisas, tira do poeta a alegria de viver.
e) O poeta recusa valer-se da natureza, que só lhe traz a sensação da morte.

Resposta: C


Assinale a alternativa que traz apenas características do Romantismo:

a) idealismo – religiosidade – objetividade – escapismo – temas pagãos.
b) predomínio do sentimento – liberdade criadora – temas cristãos – natureza convencional – valores
absolutos.
c) egocentrismo – predomínio da poesia lírica – relativismo – insatisfação – idealismo
d) idealismo – insatisfação – escapismo – natureza convencional – objetividade.
e) n.d.a.

Resposta: C

De acordo com a posição romântica, é correto afirmar que:
a) A natureza é expressiva no Romantismo e decorativa no Arcadismo.
b) Com a liberdade criadora implantada no Romantismo, as regras fixas do Classicismo caem e “o poema
começa onde começa a inspiração e termina onde esta termina.”
c) A visão de mundo romântica é centrada no sujeito, no “eu” do escritor, daí a predominância da função
emotiva na linguagem do Romantismo.
d) Todas as alternativas anteriores estão corretas.
e) Nenhuma das alternativa está correta.

Resposta: D

O Romantismo, como movimento cultural do século XIX, merece destaque pelas críticas que já fazia à forte presença do racionalismo na sociedade ocidental da época e pela sua ampla e rica produção intelectual e artística. Sobre o Romantismo, podemos afirmar que foi um movimento:


a) de nostalgia cultural, que buscou a recuperação das regras do Classicismo, as quais dominavam a arte conservadora do século XVIII.
b) de grande diversidade cultural, com obras de artistas e pensadores, como Schiller, Chopin, Byron e Goethe, importantes filósofos, compositores e escritores.
c) que, no século XIX, esteve na base das grandes revoluções que combatiam o capitalismo; foi amplamente renovador, no contexto mundial, pelas suas utopias exclusivamente socialistas.
d) restrito à pintura e à música, sem expressões de destaque na poesia e na literatura em prosa, pois as via com perspectivas bastante acadêmicas.
e) de convergência das forças conservadoras da época, com valor histórico secundário; foi um movimento bastante mistificado pelos políticos alheios às mudanças.

Resposta: B

Assinale a alternativa falsa. O Romantismo:


A. procura o elemento nacional .
B. propõe ruptura com o passado.
C. foi introduzido no Brasil por Gonçalves de Magalhães.
D. é a valorização do que é "nosso".

Resposta: B

O Romantismo no Brasil


                                                         Jean Baptiste Debret - suas obras destacavam cenas do cotidiano no Brasil

Marco inicial

Publicação de "Suspiros Poéticos e Saudades", de Gonçalves de Magalhães, em 1836.

Marco final

Publicação de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, em 1881, que inaugura o realismo.

Contexto histórico

A Independência é o principal fato político do século XIX e vai determinar os rumos políticos, econômicos e sociais do Brasil até a Proclamação da República (1889). Merece destaque também o Segundo reinado, em que o país conheceu um período de grande desenvolvimento em relação aos três séculos anteriores. Apesar disso tudo D. Pedro II deu continuidade ao regime imperial, o Brasil continuou um país fundamentalmente agrário, cuja economia se baseava no latifúndio, na monocultura e na mão de obra escrava.

Apesar dessa continuidade da estrutura herdada da colônia, a ampliação dos privilégios das elites rurais resultou em transformações no cenário nacional, sobretudo no ambiente das cidades. A crescente urbanização, em especial, na sede do poder, o Rio de janeiro, aliada á necessidade de consolidar a independência, favoreceu o surgimento e desenvolvimento do Romantismo no país.

Cabe ressaltar, porém, que o Romantismo brasileiro não serviu à expressão da burguesia, como havia ocorrido nos países da Europa. Essa classe apenas começava a se formar no Brasil. Nosso Romantismo correspondeu, na verdade, à expressão da classe rural, constituída por exportadores de produtos agrícolas que, procurando apoiar sua participação nas decisões do governo, estabeleciam-se nos centros urbanos.

Com o deslocamento dos grandes proprietários de terras para as cidades, essas acabaram se modernizando a fim de acomodar a eles e aos novos segmentos sociais: comerciantes e seus empregados, artesãos, profissionais liberais, funcionários públicos, entre outros.

Esse novo ambiente do Rio de Janeiro, retratado por Joaquim Manoel de Macedo, criou as condições necessárias para o desenvolvimento do Romantismo. A recém –imprensa – liberada por D. João Vi – ofereceu meios de produção e divulgação das obras literárias. O público, formado principalmente por jovens estudantes e mulheres, as quais abandonavam a exclusividade do ambiente familiar e passavam a ocupar as ruas., freqüentar o comércio e espaços de cultura e lazer.

Contexto cultural

Recém independente, o país procura afirmar sua identidade, tentando desenvolver uma cultura própria, baseada em suas raízes indígenas ou sertanejas. No entanto, isso se faz a partir da reprodução dos modelos do Romantismo europeu. Os artistas mais jovens aproveitaram a tendência nacionalista, característica do movimento europeu para consolidar a literatura brasileira – projeto de construção de uma identidade nacional.

Tendências de estilo

De maneira geral, predominam as mesmas características do romantismo europeu. Contudo, vale mencionar a busca de autores como Gonçalves Dias e José de Alencar de "abrasileirar" a língua portuguesa. Também merecem destaque o Indianismo (que ganhou forma através da prosa romântica e da poesia do Romantismo) e o regionalismo, expressões tipicamente brasileiras do nacionalismo romântico. Com o Romantismo tem início da prosa de ficção brasileira.

A poesia: três gerações

1ª. Nacionalista – introduziu o movimento e cultivou os temas necessários à construção de um ideário nacional. Frequentemente seus poemas exaltavam a natureza ou tratavam do exílio em confissões sobre a saudade da pátria. . Outro tema importante foi o do indígena, encerrado como formador do povo brasileiro. Mas esses indígenas recebiam valores europeus, como coragem, honra e generosidade. Era o cavaleiro medieval, herói romântico da literatura europeia. Gonçalves Dias é o poeta de maior destaque da primeira geração.

2ª. Ultrarromântica ou byroniana - desligou-se do projeto nacionalista. Seus poetas eram cantores do idealismo e da evasão. Seus tópicos mais comuns envolviam o apego à morte, a fuga para infância, ou para a natureza e a relação ambígua com a mulher sexualizada e ao mesmo tempo idealizada, inatingível. As obras expressavam um individualismo extremado e um tom que ora tendia ao confessionalismo, ora ao sarcasmo.

Os poetas assumem agora um extremo subjetivismo, passando à imitação de outros poetas europeus (Lord Byron, inglês; Alfred Musset, francês, especialmente), centrando-se numa temática de amor e morte, dúvida e ironia, entusiasmo e tédio. A evasão e o sonho caracterizam o egotismo dessa geração, isto é, o culto do eu, da subjetividade, através da tendência para o devaneio, o erotismo difuso ou obsessivo, a melancolia, o tédio, o namoro com a imagem da morte, a depressão, a auto-ironia masoquista.

O byronismo aparece através da figura do homem fatal, de faces pálidas, olhar sem piedade, marcado pela melancolia incurável, desespero e revolta, conjuntamente com a imagem do poeta genial, mas desgraçado e perseguido pela sociedade, condenado à solidão, incompreendido por todos, desafiando o horror do próprio destino. O mal do século, uma doença indefinível, entedia e faz desejar a morte como a única via de libertação. Na verdade, a imagem de uma contradição insolúvel entre o excesso de energia interior, do eu, a procura do absoluto, e os limites das condições reais dos homens e da sociedade. Seus destaques Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire e Fagundes Varela.

3ª. Condoreira - esta geração propunham uma poesia voltada ao compromisso social, fundada na concepção de que a arte devia contribuir par o progresso da humanidade. Acreditava também, que cabia ao poeta – privilegiado por sua posição superior e distanciada, tal condor- orientar homens comuns. Surgida na metade do séc. XIX, coincidia, na Europa, com o início das lutas de classes e, no Brasil com as campanhas pela abolição da escravatura e pela instauração da República. A poesia dos condoreiros era elaborada para ser declamada em público e para empolgar o ouvinte. O maior nome da terceira geração foi Castro Alves.

Sousândrade - outro nome importante - que começa como poeta próximo da Segunda geração, torna-se uma voz destoante do nosso Romantismo, entrando na Terceira geração apenas por cronologia. Esquecida durante meio século, sua poesia, embora marcada também pelo abolicionismo e republicanismo, realiza-se diferentemente dos românticos, porque repassada de grandes novidades temáticas e formais. Seu processo de composição poética volta-se para inesperados arranjos sonoros, pelo uso de diversas línguas integrativamente, com ousados "conjuntos verbais" que quebram mesmo a estrutura sintática da língua portuguesa.

A diferença entre o romantismo e os movimentos anteriores está em o Romantismo questionar, desmoralizar e destruir o velho princípio clássico da imitação dos modelos antigos. Para os românticos, a expressão artística é única, um momento que não se repete. E a expressão do indivíduo e suas emoções, iluminação súbita e inspirada. Daí o surgimento de uma poética da "invenção" e da "novidade”. Uma busca permanente pela expressão individual, num momento irreversível.

Fonte: http://educacao.uol.com.br/portugues

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

As Cerejas - Lygia Fagundes Telles

Aquela gente teria mesmo existido? Madrinha tecendo a cortina de crochê com um anjinho a esvoaçar por entre rosas, a pobre Madrinha sempre afobada, piscando os olhinhos estrábicos, vocês não viram onde deixei meus óculos? A preta Dionísia a bater as claras de ovos em ponto de neve, a voz ácida contrastando com a doçura dos cremes, esta receita é nova... Tia Olívia enfastiada e lânguida, abanando-se com uma ventarola chinesa, a voz pesada indo e vindo ao embalo da rede, fico exausta no calor... Marcelo muito louro - por que não me lembro da voz dele? - agarrado à crina do cavalo, agarrado à cabeleira de tia Olívia, os dois tombando lividamente azuis sobre o divã. Você levou as velas à tia Olívia? , perguntou Madrinha lá embaixo. O relâmpago apagou-se. E no escuro que se fez, veio como resposta o ruído das cerejas se despencando no chão.
 
A casa em meio do arvoredo, o rio, as tardes como que suspensas na poeira do ar - desapareceu tudo sem deixar vestígios. Ficaram as cerejas, só elas resistiram com sua vermelhidão de loucura. Basta abrir a gaveta: algumas foram roídas por alguma barata e nessas o algodão estoura, empelotado, não, tia Olívia, não eram de cera, eram de algodão suas cerejas vermelhas.

Ela chegou inesperadamente. Um cavaleiro trouxe o recado do chefe da estação pedindo a charrete para a visita que acabara de desembarcar.

- É Olívia! - exclamou Madrinha. - É a prima! Alberto escreveu dizendo que ela viria, mas não disse quando, ficou de avisar. Eu ia mudar as cortinas, bordar umas fronhas e agora!... Justo Olívia. Vocês não podem fazer idéia, ela é de tanto luxo e a casa aqui é tão simples, não estou preparada, meus céus! O que é que eu faço, Dionísia, me diga agora o que é que eu faço!

Dionísia folheava tranqüilamente um livro de receitas. Tirou um lápis da carapinha tosada e marcou a página com uma cruz.

- Como se já não bastasse esse menino que também chegou sem aviso...
O menino era Marcelo. Tinha apenas dois anos mais do que eu mas era tão alto e parecia tão adulto com suas belas roupas de montaria, que tive vontade de entrar debaixo do armário quando o vi pela primeira vez.

- Um calor na viagem! - gemeu tia Olívia em meio de uma onda de perfumes e malas. - E quem é este rapazinho?

- Pois este é o Marcelo, filho do Romeu - disse Madrinha. - Você não se lembra do Romeu? Primo-irmão do Alberto...
Tia Olívia desprendeu do chapeuzinho preto dois grandes alfinetes de pérola em formado de pêra. O galho de cerejas estremeceu no vértice do decote da blusa transparente. Desabotoou o casaco.

- Ah, minha querida, Alberto tem tantos parentes, uma família enorme! Imagine se vou me lembrar de todos com esta minha memória. Ele veio passar as férias aqui?

Por um breve instante Marcelo deteve em tia Olívia o olhar frio. Chegou a esboçar um sorriso, aquele mesmo sorriso que tivera quando Madrinha, na sua ingênua excitação, nos apresentou a ambos, pronto, Marcelo, aí está sua priminha, agora vocês poderão brincar juntos . Ele então apertou um pouco os olhos. E sorriu.

- Não estranhe, Olívia, que ele é por demais arisco - segredou Madrinha ao ver que Marcelo saía abruptamente da sala. - Se trocou comigo meia dúzia de palavras, foi muito. Aliás, toda a gente de Romeu é assim mesmo, são todos muito esquisitos. Esquisitíssimos!

Tia Olívia ajeitou com as mãos em concha o farto coque preso na nuca. Umedeceu os lábios com a ponta da língua.

- Tem charme...

Aproximei-me fascinada. Nunca tinha visto ninguém como tia Olívia, ninguém com aqueles olhos pintados de verde e com aquele decote assim fundo.

- É de cera? - perguntei tocando-lhe uma das cerejas.
Ela acariciou-me a cabeça com um gesto distraído. Senti bem de perto seu perfume.

- Acho que sim, querida. Por quê? Você nunca viu cerejas?

- Só na folhinha.
Ela teve um risinho cascateante. No rosto muito branco a boca parecia um largo talho aberto, com o mesmo brilho das cerejas.

- Na Europa são tão carnudas, tão frescas.

Marcelo também tinha estado na Europa com o avô. Seria isso? Seria isso que os fazia infinitamente superiores a nós? Pareciam feitos de outra carne e pertencer a um outro mundo tão acima do nosso, ah! como éramos pobres e feios. Diante de Marcelo e tia Olívia, só diante dos dois é que eu pude avaliar como éramos pequenos: eu, de unhas roídas e vestidos feitos por Dionísia, vestidos que pareciam as camisolas das bonecas de jornal que Simão recortava com a tesoura do jardim. Madrinha, completamente estrábica e tonta em meio das suas rendas e crochês. Dionísia, tão preta quanto enfatuada com as tais receitas secretas.

- Não quero é dar trabalho - murmurou tia Olívia dirigindo-se ao quarto. Falava devagar, andava devagar. Sua voz foi se afastando com a mansidão de um gato subindo a escada. - Cansei-me muito, querida. Preciso apenas de um pouco de sossego...

Agora só se ouvia a voz de Madrinha que tagarelava sem parar: a chácara era modesta, modestíssima, mas ela haveria de gostar, por que não? O clima era uma maravilha e o pomar nessa época do ano estava coalhado de mangas. Ela não gostava de mangas? Não?... Tinha também bons cavalos se quisesse montar, Marcelo poderia acompanhá-la, era um ótimo cavaleiro, vivia galopando dia e noite. Ah, o médico proibira? Bem, os passeios a pé também eram lindos, havia no fim do caminho dos bambus um lugar ideal para piqueniques, ela não achava graça num piquenique?

Fui para a varanda e fiquei vendo as estrelas por entre a folhagem da paineira. Tia Olívia devia estar sorrindo, a umedecer com a ponta da língua os lábios brilhantes. Na Europa eram tão carnudas... Na Europa.

Abri a caixa de sabonete escondida sob o tufo de samambaia. O escorpião foi saindo penosamente de dentro. Deixei-o caminhar um bom pedaço e só quando ele atingiu o centro da varanda é que me decidi a despejar a gasolina. Acendi o fósforo. As chamas azuis subiram num círculo fechado. O escorpião rodou sobre si mesmo, erguendo-se nas patas traseiras, procurando uma saída. A cauda contraiu-se desesperadamente. Encolheu-se. Investiu e recuou em meio das chamas que se apertavam mais.

- Será que você não se envergonha de fazer uma maldade dessas?

Voltei-me. Marcelo cravou em mim o olhar feroz. Em seguida, avançando para o fogo, esmagou o escorpião no tacão da bota.

- Diz que ele se suicida, Marcelo...

- Era capaz mesmo quando descobrisse que o mundo está cheio de gente como você.

Tive vontade de atirar-lhe a gasolina na cara. Tapei o vidro.

- E não adianta ficar furiosa, vamos, olhe para mim! Sua boba. Pare de chorar e prometa que não vai mais judiar dos bichos.
Encarei-o. Através das lágrimas ele pareceu-me naquele instante tão belo quanto um deus, um deus de cabelos dourados e botas, todo banhado de luar. Fechei os olhos. Já não me envergonhava das lágrimas, já não me envergonhava de mais nada. Um dia ele iria embora do mesmo modo imprevisto como chegara, um dia ele sairia sem se despedir e desapareceria para sempre. Mas isso também já não tinha importância. Marcelo, Marcelo! chamei. E só meu coração ouviu.

Quando ele me tomou pelo braço e entrou comigo na sala, parecia completamente esquecido do escorpião e do meu pranto. Voltou-lhe o sorriso.

- Então é essa a famosa tia Olívia? Ah, ah, ah.

Enxuguei depressa os olhos na barra da saia.

- Ela é bonita, não?

Ele bocejou.

- Usa um perfume muito forte. E aquele galho de cerejas dependurado no peito. Tão vulgar.

- Vulgar?

Fiquei chocada. E contestei mas em meio da paixão com que a defendi, senti uma obscura alegria ao perceber que estava sendo derrotada.
- E, além do mais, não é meu tipo - concluiu ele voltando o olhar indiferente para o trabalho de crochê que Madrinha deixara desdobrado na cadeira. Apontou para o anjinho esvoaçando entre grinaldas. - Um anjinho cego.

- Por que cego? - protestou Madrinha descendo a escada. Foi nessa noite que perdeu os óculos. - Cada idéia, Marcelo!

Ele debruçara-se na janela e parecia agora pensar em outra coisa.

- Tem dois buracos em lugar dos olhos.

- Mas crochê é assim mesmo, menino! No lugar de cada olho deve ficar uma casa vazia - esclareceu ela sem muita convicção. Examinou o trabalho. E voltou-se nervosamente para mim. - Por que não vai buscar o dominó para vocês jogarem uma partida? E vê se encontra meus óculos que deixei por aí.

Quando voltei com o dominó, Marcelo já não estava na sala. Fiz um castelo com as pedras. E soprei-o com força. Perdia-o sempre, sempre. Passava as manhãs galopando como louco. Almoçava rapidamente e mal terminava o almoço, fechava-se no quarto e só reaparecia no lanche, pronto para sair outra vez. Restava-me correr ao alpendre para vê-lo seguir em direção à estrada, cavalo e cavaleiro tão colados um ao outro que pareciam formar um corpo só.

Como um só corpo os dois tombaram no divã, tão rápido o relâmpago e tão longa a imagem, ele tão grande, tão poderoso, com aquela mesma expressão com que galopava como que agarrado à crina do cavalo, arfando doloridamente na reta final.

Foram dias de calor atroz os que antecederam à tempestade. A ansiedade estava no ar. Dionísia ficou mais casmurra. Madrinha ficou mais falante, procurando disfarçadamente os óculos nas latas de biscoitos ou nos potes de folhagens, esgotada a busca em gavetas e armários. Marcelo pareceu-me mais esquivo, mais crispado. Só tia Olívia continuava igual, sonolenta e lânguida no seu negligê branco. Estendia-se na rede. Desatava a cabeleira. E com um movimento brando ia se abanando com a ventarola. Às vezes vinha com as cerejas que se esparramavam no colo polvilhado de talco. Uma ou outra cereja resvalava por entre o rego dos seios e era então engolida pelo decote.
- Sofro tanto com o calor...

Madrinha tentava animá-la.

- Chovendo, Olívia, chovendo você verá como vai refrescar.
Ela sorria umedecendo os lábios com a ponta da língua.

- Você acha que vai chover?

- Mas claro, as nuvens estão baixando, a chuva já está aí. E vai ser um temporal daqueles, só tenho medo é que apanhe esse menino lá fora. Você já viu menino mais esquisito, Olívia? Tão fechado, não? E sempre com aquele arzinho de desprezo.

- É da idade, querida. É da idade.

- Parecido com o pai. Romeu também tinha essa mesma mania com cavalo.

- Ele monta tão bem. Tão elegante.

Defendia-o sempre enquanto ele a atacava, mordaz, implacável: É afetada, esnobe. E como representa, parece que está sempre no palco . Eu contestava, mas de tal forma que o incitava a prosseguir atacando.

Lembro-me de que as primeiras gotas de chuva caíram ao entardecer, mas a tempestade continuava ainda em suspenso, fazendo com que o jantar se desenrolasse numa atmosfera abafada. Densa. Pretextando dor de cabeça, tia Olívia recolheu-se mais cedo. Marcelo, silencioso como de costume, comeu de cabeça baixa. Duas vezes deixou cair o garfo.
- Vou ler um pouco - despediu-se assim que nos levantamos.

Fui com Madrinha para a saleta. Um raio estalou de repente. Como se esperasse por esse sinal, a casa ficou completamente às escuras enquanto a tempestade desabava.

- Queimou o fusível! - gemeu Madrinha. - Vai, filha, vai depressa buscar o maço de velas, mas leva primeiro ao quarto de tia Olívia. E fósforos, não esqueça os fósforos!

Subi a escada. A escuridão era tão viscosa, que se eu estendesse a mão poderia senti-la amoitada como um bicho por entre os degraus. Tentei acender a vela mas o vento me envolveu. Escancarou-se a porta do quarto. E em meio do relâmpago que rasgou a treva, vi os dois corpos completamente azuis, tombando enlaçados no divã.

Afastei-me cambaleando. Agora as cerejas se despencavam sonoras como enormes bagos de chuva caindo de uma goteira. Fechei os olhos. Mas a casa continuava a rodopiar desgrenhada e lívida com os dois corpos rolando na ventania.

- Levou as velas para a tia Olívia? - perguntou Madrinha.

Desabei num canto, fugindo da luz do castiçal aceso em cima da mesa.
- Ninguém respondeu, ela deve estar dormindo.

- E Marcelo?

- Não sei, deve estar dormindo também.

Madrinha aproximou-se com o castiçal.
- Mas que é que você tem, menina? Está doente? Não está com febre? Hem?! Sua testa está queimando... Dionísia, traga uma aspirina, esta menina está com um febrão, olha aí!

Até hoje não sei quantos dias me debati esbraseada, a cara vermelha, os olhos vermelhos, escondendo-me debaixo das cobertas para não ver por entre clarões de fogo milhares de cerejas e escorpiões em brasa, estourando no chão.
- Foi um sarampo tão forte - disse Madrinha ao entrar certa manhã no quarto. - E como você chorava, dava pena ver como você chorava! Nunca vi um sarampo doer tanto assim.

Sentei-me na cama e fiquei olhando uma borboleta branca pousada no pote de avencas da janela. Voltei-me em seguida para o céu limpo. Havia um passarinho cantando na paineira. Madrinha então disse:

- Marcelo foi-se embora ontem à noite, quando vi, já estava de mala pronta, sabe como ele é. Veio até aqui se despedir, mas você estava dormindo tão profundamente.

Dois dias depois, tia Olívia partia também. Trazia o costume preto e o chapeuzinho com os alfinetes de pérola espetados no feltro. Na blusa branca, bem no vértice do decote, o galho de cerejas.

Sentou-se na beirada da minha cama.

- Que susto você nos deu, querida - começou com sua voz pesada. - Pensei que fosse alguma doença grave. Agora está boazinha, não está?

Prendi a respiração para não sentir seu perfume.
- Estou.
- Ótimo! Não te beijo porque ainda não tive sarampo - disse ela calçando as luvas. Riu o risinho cascateante. - E tem graça eu pegar nesta altura doença de criança?

Cravei o olhar nas cerejas que se entrechocavam sonoras, rindo também entre os seios. Ela desprendeu-as rapidamente.

- Já vi que você gosta, pronto, uma lembrança minha.

- Mas ficam tão lindas aí - lamentou Madrinha. - Ela nem vai poder usar, bobagem, Olívia, leve suas cerejas!

- Comprarei outras.
Durante o dia seu perfume ainda pairou pelo quarto. Ao anoitecer, Dionísia abriu as janelas. E só ficou o perfume delicado da noite.

- Tão encantadora a Olívia - suspirou Madrinha sentando-se ao meu lado com sua cesta de costura. - Vou sentir falta dela, um encanto de criatura. O mesmo já não posso dizer daquele menino. Romeu também era assim mesmo, o filho saiu igual. E só às voltas com cavalos, montando em pêlo, feito índio. Eu quase tinha um enfarte quando via ele galopar.

Exatamente um ano depois ela repetiria, num outro tom, esse mesmo comentário ao receber a carta onde Romeu comunicava que Marcelo tinha morrido de uma queda de cavalo.

- Anjinho cego, que idéia! - prosseguiu ela desdobrando o crochê nos joelhos. - Já estou com saudades de Olívia, mas dele?

Sorriu alisando o crochê com as pontas dos dedos. Tinha encontrado os óculos.

Fonte: www.ufpel.edu.br

O homem que resolveu contar apenas mentiras


Naquela manhã, acordou disposto a só contar mentiras. A não dizer uma única verdade. A ninguém. Nem à própria mulher. E assim quando afirmou: 'vou para o trabalho', empregou sua primeira mentira. Não ia. Tinha resolvido faltar, esquecer o escritório, a mesa, os papéis. Parar, ficar na rua. E quando disse bom-dia para o zelador do prédio, também mentia, porque odiava o zelador, um oportunista, que não conservava o prédio, fazia fofocas entre empregadas, pedia gorjetas, ganhava porcentagem na compra de materiais de limpeza. E quando disse o endereço ao motorista do táxi, também mentia, não pretendia ir para aquele lugar. Mas o chofer exigira o destino pois as pessoas vivem exigindo as coisas. E nem sempre temos vontade ou possibilidade de fazer. E as exigências crescem e se tornam parte de nossa vida diária. Nos acostumamos com elas, nos acomodamos, sem perceber que cada concessão é um pedaço da gente mesmo, envenenado, que a gente engole. E quando o homem entrou no bar e pediu café, mentia, porque não queria café. Estava apenas fazendo um teste, enquanto observava o gesto maquinal daquele empregado que destacava uma ficha e a entregava. Será que aquele funcionário, alguma vez, imaginou que alguém pudesse não querer café?

Pedir, por pedir, mas não querer? Nem sequer desejar ver a xícara fumegante?Com a ficha na mão, saiu pela rua. Outra mentira, não queria ficar na rua. Mas se entrasse no escritório, seria mentira maior. Odiava o escritório, o empregado, os colegas. De duas mentiras, preferiu a menor, ainda que, ponderando, descobrisse que ficar com a mentira menor era igualmente fuga , mentira, porque nesse dia tinha decidido mentir. E quando se decide uma coisa, o melhor é levá-la até o fim.

Andou. Pensando como a cidade era bonita com seus prédios batidos de Sol e os vidros dando mil reflexos. Bonita com a gente que andava apressada para trabalhar e construir alguma coisa. Bonita na tranqüilidade da vida, no sossego das casas, na calma que se estampava nos rostos das gentes. Bonita no que oferecia de futuro e de perspectivas. Bonita nos carros que andavam em fila, ruidosamente, um atrás do outro, sempre para frente, sempre para frente. Bonita na fumaça negra que escapava dos veículos e subia em espirais, milhares de fumaças reunidas, formando uma bela nuvem negra, como um negro véu, que surgia sobre a terra, espanando o Céu.

Andou sem querer andar. Viu, sem querer ver. Sentiu, sem querer sentir. Cansou, sem querer cansar. Tudo uma grande mentira neste dia. Como mentira era a vida que ele vivia, cotidianamente, falsificada, pré-fabricada, exaurida, imposta. Suada. Que repousante era viver este dia de mentira. Negar tudo, reviver.

Andou até a hora de voltar para casa. Outra mentira, não queria voltar para casa, o lar, o aconchego, o refúgio, a fuga. A verdade de sua vida encerrada entre aquelas quatro paredes, a família, o amor, o carinho, o aconchego, o lar, o refúgio, a fuga, a realidade. Não voltar e andar. Percorrendo as ruas, entrando nos prédios, conversando com as pessoas. No entanto, não tinha vontade de conversar.

 Sabia que precisava, mas não tinha vontade de falar. Falava pouco, sua língua andava entorpecida, sem prática. O medo é que um dia desacostumasse e perdesse a capacidade de se comunicar. E como andava difícil se comunicar. Ficou parado numa esquina, esperando a noite passar. E quando o dia chegou, tinha acabado o período da mentira, podia enfrentar de novo a verdade. E disse bom-dia ao porteiro, deu o endereço ao táxi, ligou para a mulher e o patrão. Disse no emprego que estava doente. E, na verdade, estava.

Ignácio de Loyola Brandão,in Para gostar de ler, Ática



Ler é sempre um grande prazer, pois nos traz momentos mágicos. Sonhos fundem-se à realidade, revoltas à cumplicidade, medo à liberdade... Vamos permeando extremos de nós mesmos: desconhecidos ou aprisionados, submergem em nós ... Ah, tão bom ler!

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Os sofrimentos do jovem Werther - Romantismo


Caro Wilhelm, encontro-me no mesmo estado daqueles infelizes que se acham possuídos por um espírito maligno. É algo que me acomete às vezes: não se trata de angústia nem de desejo... É um tumulto interior, desconhecido, que ameaça dilacerar-me o peito, que me aperta a garganta! Ai de mim! Nesses momentos vagueio por entre horrendas cenas noturnas dessa época inimiga dos homens.

Ontem à noite não pude ficar em casa. O degelo chegou de repente. Disseram-me que o rio havia transbordado, que todos os riachos estavam cheios e que, de Wahlheim até aqui, todo o meu querido vale ficara inundado! Eram mais de onze horas quando sai de casa. Que espetáculo assombroso ver do rochedo, ao luar, as torrentes furiosas invadindo os campos, prados e cercados, e o grande vale formando um só mar sublevado, em meio ao rugir do vento. E quando a lua reapareceu por sobre uma nuvem negra e diante de mim, as torrentes de águas com reflexo terrível e magnífico, se entrechocavam , despedaçando-se, percorreu-me, então, um tremor, seguido de um desejo brutal. Ah! Com os braços abertos, debrucei-me sobre o abismo, enquanto me perdia num pensamento prazeroso: precipitar as minhas dores e os meus sofrimentos na voragem das águas, deixando-me arrastar por aquelas ondas! Oh!... E dizer que não tive coragem de levantar os pés do chão e acabar com todos os meus tormentos!... Sinto que minha hora ainda não chegou! Oh! Wilhelm! Com que prazer teria renunciado a minha vida de homem para romper as nuvens nesse vento tempestuoso e subverter as ondas!

Quão doloroso foi lançar os olhos para o recanto em que descansara com Lotte, sob um salgueiro, após um passeio num dia de muito calor e ver que ali também estava inundado e quase não reconheci o salgueiro!

“E os seus prados”, pensei, “e o campo em torno da residência de caça! E o nosso caramanchão, como deve ter sido devastado pelas águas devoradoras!

E um raio de sol do passado brilhou em minha alma, da mesma forma como sonhar com rebanhos, pradarias e honras ou glórias deve iluminar a alma de um prisioneiro. Eu estava lá!... Não me censuro, pois tenho coragem para morrer... Agora, estou sentado aqui como uma mulher velha que cata a sua lenha ao longo das cercas mendiga o pão de porta em porta, a fim de atenuar e prolongar um pouco mais a sua triste e miserável vida.

Do livro: "Os sofrimentos do jovem Werther", Círculo do Livro, 1988, SP

Romantismo

Você vai ler os três primeiros parágrafos de " A morte amorosa", famoso conto fantástico de  Théophile Gautier. Nele é relatada a tentação sofrida por Romuald, um sacerdote recém-ordenado, quando encontra a misteriosa Clarimond.



Você me pergunta, irmão, se amei; respondo que sim. É uma história singular e terrível, e, embora tenha sessenta e seis anos, mal ouso tocar nas cinzas dessa lembrança. Não quero lhe negar nada, mas não contaria tal história a alguém menos experiente. São acontecimentos tão estranhos que custo a acreditar que tenham ocorrido. Durante mais de três anos fui vítima de uma ilusão singular e diabólica. Eu, pobre pároco de aldeia, vivi em sonhos (Deus queira que tenha sido um sonho!), durante todas as noites, uma vida de danado, uma vida de mundano, de Saradanapalo. Um único olhar demasiado complacente lançado sobre uma mulher quase me custou a perda da minha alma; mas, finalmente, com a ajuda de Deus e do meu santo padroeiro, consegui expulsar o espírito maligno que havia se apossado de mim. Minha vida confundira-se com uma existência noturna completamente diferente. De dia, eu era um sacerdote do Senhor, casto, ocupado com a oração e com as coisas santas; à noite, mal fechava os olhos, transformava-me num jovem senhor, grande conhecedor de mulheres, vinhos, cães e cavalos, que jogava dados e blasfemava; e quando me acordava, ao nascer do sol, parecia ao contrário que adormecia, e que sonhava ser padre.

Dessa vida sonâmbula restou-me a lembrança de objetos e palavras contra as quais não posso me defender, e, apesar de jamais ter transposto as paredes do meu presbitério, quem me ouvisse, diria que sou um homem que experimentou de tudo e que, voltando do mundo, tomou o hábito para terminar uma existência demasiado agitada no seio de Deus, e não um humilde seminarista que envelheceu numa paróquia ignorada, escondida no fundo de um bosque, sem nenhum contato com as coisas do mundo.

Sim, amei como ninguém amou neste mundo, com um amor insensato e furioso, tão violento que me espantei que o meu coração não tenha explodido. Ah! Que noites! Que noites!

Trabalhando o texto:

1. A partir do Romantismo, o livro passou a ser uma mercadoria. Leia novamente o primeiro período do conto e responda que estratégia usou Gautier para cativar seus leitores?


2. O narrador explica que durante três anos viveu uma experiência muito estranha. O que lhe acontecia? Explique a expressão “joguete de uma ilusão singular e diabólica”.

3. A opção de fugir do racional faz do Romantismo uma arte de extremos, por vezes maniqueísta, já que apresenta poderes opostos e incompatíveis. Como isso aparece em “A morta amorosa”.

4. O amor por Clarimonde é responsável pela alma torturada de Romuald. Localize, no primeiro parágrafo, passagens que explicitam a natureza da primeira reação a Clarimonde e no último, as que revelam a proporção alcançada pelo sentimento.

Respostas:
 
1. O autor inicia a narrativa dirigindo-se a um leitor imaginário, como se respondesse a uma questão. Além de abrir contato com o leitor ,essa estratégia atribui veracidade a uma história de teor fantástico.

2. Romuald sentia-se como um brinquedo conduzido por alguém que se divertia. Durante o dia vivia como padre, à noite, era um jovem nobre e mundano. Romuald chegou a se questionar sobre qual seria a sua existência real.


3. Contrapõem-se dois mundos: de um lado, a existência religiosa. De outro, um mundo demoníaco, repleto de atrações mundanas. Os dois mundos fundem-se na alma aflita de Romuald.
4. No primeiro, a reação de Romuald a Clarimonde, descrita como "um só olhar cheio de condescendência”, revela tolerância, revestida de pudor; no último , “amei como ninguém no mundo amou”, “amor insensato e furioso”, “violento”, “coração explodir”, mostram a intensidade e a inevitabilidade do amor.

 
Percebemos que no texto romântico, há a criação de um mundo irreal, em que não há freios para imaginação. Essa é uma das formas da evasão romântica e responde ao intuito de rechaçar a civilização burguesa e seu racionalismo.
fonte: A estética romântica: textos doutrinários comentados
Alvaro Cardoso Gomes / CARLOS ALBERTO VECHI Editora: EDITORA ATLAS






terça-feira, 14 de setembro de 2010

Para vocês!

Manhã literária- teatro experimental - 8as A/B



Projeto:Manhã literária: teatro na escola
Texto baseado no livro Ciumento de carteirinha de Moacyr Scliar-
 Uma aventura com Dom Casmurro - Ática - paradidático 3o. período

Casa do amor - 7a. B

Laís, Eduarda, Jonas, Alanna e Marcele
Luana, Jonas, Alanna, Eduarda, Marcele, Laís e Anderson
                                                               Preparativos

                                              Essa árvore fica na entrada do abrigo de idosos e
                                              traz os nomes de algumas
                                                     idosas falecidas.
                                           D. Maria - ela não enxerga,
                                             mas conversa muiiiito! Ah, canta também!

                                                          Virou  o xodó das meninas.

Olha o passarinho!
D. Lurdes - 103 anos de histórias.
(Lorena, Alanna,Eduarda,Jonas, Nathália e Raiana)

                                   O pastor Marcos e sua filha Nathália,
                                    mais uma vez,  a  serviço
                                       do Senhor Jesus Cristo.
                                      
                                 Lanche preparado pela turminha:
                                 bolos, pães, doces, sucos e refrigerantes.

                                                    D. Elizabeth


                                 Eliabe toca para D. Ferreira

  Enquanto isso... Continua a prosa no terraço.
                                  D. Júlia recebe carinho .

                                              D. Ester ficou muito contente com a nossa
                                              visita. Apertava a nossa mão
                                              com muita força e sorria...
                                                             (Vítima de AVC)

D. Santina numa prosa gostosa com o pastor Marcos.


Alanna, Rayana, Luana e Eliabe louvam com a idosa Elizabeth


 "E quando o Filho do homem vier em sua glória, e todos os santos anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória;
E todas as nações serão reunidas diante dele, e apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas;
E porá as ovelhas à sua direita, mas os bodes à esquerda.
Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo;
Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me;
Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me.
Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber?
E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos?
E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te?
E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes."
       Mateus,   25.31-40

Visita realizada em 14.10.2010
Projeto "Encontro com Flô" - paradidático - 3o. Período
Tema: Relação familiar/ Amadurecimento/ Memória/
Relação com os mais velhos

Manhã literária - teatro na escola - 8a.s A/ B



Projeto:Manhã literária: teatro na escola
Texto baseado no livroMemórias de um jovem padre - Álvaro Cardoso Gomes -
Descobrindo os clássicos - Ática - paradidático 3o. período

domingo, 12 de setembro de 2010

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Saber viver



Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silencio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.

Cora Coralina

Visita ao Lar Batista para anciãos - Várzea

 Enoque viveu sessenta e cinco anos e gerou a Metusalém.  Andou Enoque com Deus; e, depois que gerou a Metusalém, viveu trezentos anos; e teve filhos e filhas. Todos os dias de Enoque foram trezentos e sessenta e cinco anos.  Andou Enoque com Deus e já não era, porque Deus o tomou para si”.
Gênesis 5.22-24



Preparação : contagem de donativos arrecadados para o Lar Batista pela turminha.


Chegamos!


D. Loyde avisa que vai começar o culto...

Pastor Marcos Duarte - durante a pregação da Palavra.

A turminha da 7a A

Entrega dos presentinhos...

Cada morador do Lar recebeu " O Pão Diário" - doação

Mais bricadeiras...


Sr. Carlos 102 anos com Jesus

Declamação de poesias - Hendrick
É hora da prosa!

D. Dolores 90 anos.


Música " Eu preciso de você
Você precisa de mim
Nós precisamos de Cristo
Até o fim..." 

Bolo gostoso e boa conversa...

Mais prosa ...
Olha o passarinho!


D. Joana e suas belas histórias




Gente feliz!

Gente contente com a presença da gente!

Nós já estamos com saudade!


" [...] Na tua presença há plenitude de alegria,
na tua destra, delícias perpetuamente."
Salmos 16.11

Obrigada, turminha!


Visita realizada em 08.10.2010
Projeto "Encontro com Flô" - paradidático - 3o. Período
Tema: Relação familiar/ Amadurecimento/ Memória/
Relação com os mais velhos