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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O poder das letras


                       Contando histórias, 2002
                        Reynaldo Fonseca, Brasil (1925)
                        Óleo sobre tela, 80 x 100 cm
                        Coleção Particular



Minha mãe muito cedo me introduziu aos livros. Embora nos faltassem móveis e roupas, livros não poderiam faltar. E estava absolutamente certa. Entrei na universidade e tornei-me escritor. Posso garantir: todo escritor é, antes de tudo, um leitor.
Moacyr Scliar. O poder das letras. In: TAM Magazine, jul./2006, p. 70 (com adaptações).

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Vinícius de Moraes


                                                       Tirei daqui   



"Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só"
- Vinicius de Moraes, in "Samba da Benção".

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Crase: da página 15 à 20 ou da página 15 a 20

Só há crase na correlação “de... a...” quando a preposição “de” aparece combinada com artigo. Perceba:

Exercícios da p. 5 à 10. (= da ... à ...,  CRASE)
A inscrição será de 07 a 15 de novembro. (= de ... a ..., SEM CRASE)

domingo, 27 de janeiro de 2013

Nem tudo é fácil



                      Cecília Meireles       Tirei daqui


É difícil fazer alguém feliz, assim como é fácil fazer triste.
É difícil dizer eu te amo, assim como é fácil não dizer nada
É difícil valorizar um amor, assim como é fácil perdê-lo para sempre.
É difícil agradecer pelo dia de hoje, assim como é fácil viver mais um dia.
É difícil enxergar o que a vida traz de bom, assim como é fácil fechar os olhos e atravessar a rua.
É difícil se convencer de que se é feliz, assim como é fácil achar que sempre falta algo.
É difícil fazer alguém sorrir, assim como é fácil fazer chorar.
É difícil colocar-se no lugar de alguém, assim como é fácil olhar para o próprio umbigo.
Se você errou, peça desculpas...
É difícil pedir perdão? Mas quem disse que é fácil ser perdoado?
Se alguém errou com você, perdoa-o...
É difícil perdoar? Mas quem disse que é fácil se arrepender?
Se você sente algo, diga...
É difícil se abrir? Mas quem disse que é fácil encontrar
alguém que queira escutar?
Se alguém reclama de você, ouça...
É difícil ouvir certas coisas? Mas quem disse que é fácil ouvir você?
Se alguém te ama, ame-o...
É difícil entregar-se? Mas quem disse que é fácil ser feliz?
Nem tudo é fácil na vida...Mas, com certeza, nada é impossível
Precisamos acreditar, ter fé e lutar
para que não apenas sonhemos, Mas também tornemos todos esses desejos,
realidade!!!

Cecília Meireles


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Al berto



                                          Tirei daqui

mais nada se move em cima do papel 

nenhum olho de tinta iridescente pressagia 

o destino deste corpo 

os dedos cintilam no húmus da terra 

e eu 

indiferente à sonolência da língua 

ouço o eco do amor há muito soterrado 

encosto a cabeça na luz e tudo esqueço 

no interior dessa ânfora alucinada 

desço com a lentidão ruiva das feras 

ao nervo onde a boca procura o sul 

e os lugares dantes povoados 

ah meu amigo 

demoraste tanto a voltar dessa viagem 

o mar subiu ao degrau das manhãs idosas 

inundou o corpo quebrado pela serena desilusão 

assim me habituei a morrer sem ti .


Eremitério (Al berto)



Alberto Raposo Pidwell Tavares (seu pseudónimo Al Berto) nasceu em Coimbra no dia 11 de Janeiro de 1948. Al Berto foi um poeta e editor português. É em Sines onde passa toda a infância e adolescência até que a familia decide enviá-lo para o estalebecimento de ensino artístico Escola António Arroio, em Lisboa. Al Berto frequentou diversos cursos de artes plásticas, em Portugal e em Bruxelas, onde se exilou em 1967. A partir de 1971 dedicou-se exclusivamente à literatura.     
A sua poesia retomou, de algum modo, a herança surrealista, fundindo o real e o imaginário. Está presente, frequentemente, uma particular atenção ao quotidiano como lugar de objectos e de pessoas, de passagem e de permanência, de ligação entre um tempo histórico e um tempo individual. O Medo (uma antologia do seu trabalho desde 1974 a 1986) veio a tornar-se no trabalho mais importante da sua obra e o seu testemunho artístico.     
Deixou ainda textos incompletos para uma ópera, para um livro de fotografia sobre Portugal e uma «falsa autobiografia», como o próprio autor a intitulava.     
Morreu de linfoma em 1997.

A Estranha Passageira






     O senhor sabe? É a primeira vez que eu viajo de avião. Estou com zero hora de voo - e riu nervosinha, coitada.
            Depois pediu que eu me sentasse ao seu lado, pois me achava muito calmo e isto iria fazer-lhe bem. Lá se ia a oportunidade de ler o romance policial que eu comprara no aeroporto, para me distrair na viagem. Suspirei e fiz o bacana respondendo que estava às suas ordens.
     Madama entrou no avião sobraçando um monte de embrulhos, que segurava desajeitadamente. Gorda como era, custou a se encaixar na poltrona e arrumar todos aqueles pacotes. Depois não sabia como amarrar o cinto e eu tive que realizar essa operação em sua farta cintura.
   Afinal estava ali pronta pra viajar. Os outros passageiros estavam já se divertindo às minhas custas, a zombar do meu embaraço ante as perguntas que aquela senhora me fazia aos berros, como se estivesse em sua casa, entre pessoas íntimas. A coisa foi ficando ridícula.
      -Para que esse saquinho aí? – foi a pergunta que fez, num tom de voz que parecia que ela estava no Rio ou em São Paulo.
           - É para a senhora usar em caso de necessidade – respondi baixinho.
Tenho certeza de que ninguém ouviu minha resposta, mas todos adivinharam qual foi, porque ela arregalou os olhos e exclamou:
      -Uai.....as necessidades neste saquinho ? No avião não tem banheiro?
      Alguns passageiros riram, outros – por fineza – fingiram ignorar o lamentável equívoco da incômoda passageira de primeira viagem. Mas ela era azougue (embora com tantas carnes parecesse mais um açougue) e não parava de badalar. Olhava para trás, olhava para cima, mexia na poltrona e quase levou um tombo, quando puxou a alavanca e empurrou o encosto com força, caindo para trás e esparramando embrulhos para todos os lados.
O comandante já esquentara os motores e a aeronave estava parada, esperando ordens para ganhar a pista de decolagem. Percebi que minha vizinha de banco apertava os olhos e lia qualquer coisa. Logo veio a pergunta:
         - Quem é essa tal de emergência que tem uma porta só pra ela?
     Expliquei que emergência não era ninguém, a porta é que era de emergência, isto é, em caso de necessidade, saía-se por ela.
Madama sossegou e os outros passageiros já estavam conformados com o término do “show”. Mesmo os que mais se divertiam com ele resolveram abrir jornais, revistas ou se acomodarem para tirar uma pestana durante a viagem.
Foi quando madama deu o último vexame. Olhou pela janela (ela pedira para ficar do lado da janela para ver a paisagem ) e gritou:
          - Puxa vida!!!!!
    Todos olharam para ela, inclusive eu. Madama apontou para a janela e disse:
        - Olha lá embaixo.
   Eu olhei. E ela acrescentou:
   -Como nós estamos voando alto, moço. Olha só.......o pessoal lá embaixo até parece formiga.
  Suspirei e lasquei:
      - Minha senhora, aquilo são formigas mesmo. O avião ainda não levantou voo.
       Stanislaw Ponte Preta   Para gosta de ler  Editora Ática

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Enredo,tempo e espaço

Mário Lago     Tirei daqui 


                                                                                     
        Lu foi comprar o queijo que Dalmo queria para o lanche. Na rua, encontrou Miro, que namorava quando tinha 15 anos e era virgem. Foram andando na companhia das lembranças. As novenas… o cinema nas matinês de domingo… os bailes no clube dos Marujos, os dois dançando sempre ao fundo do salão porque, se o pai dela visse o agarramento, era escândalo na certa e o soco do velho Justa doía mais que coice de mula… o mato escuro no fim da rua…
- Eu moro aqui. Quer entrar?
Miro foi o primeiro homem de sua vida e, na época, ela ficou sem saber direito o que isso é. O rapaz tinha 17 anos e também era virgem.
- Quer entrar?
Lu cedeu à curiosidade, entrou e conheceu delícias. Naquela noite, Miro ia a São Paulo, ela foi junto. De lá, seguiram para a Europa, Lisboa, Madri, Paris, Roma, Berlim, Londres… Céus de diversos tons de azul, colchões e rostos diferentes… Um dia ela pensou no que fizera a Dalmo: nem sequer um telefonema de adeus. Ele não merecia. Tão amoroso, gentil. Estavam em Stutgart, Miro dormia o sono solto. Correu para o aeroporto. Era o fim de tarde quando Lu entrou em casa e, antes que Dalmo quisesse saber a razão daquela ausência de dois anos e meio, ela mostrou o embrulho e falou como se tivesse saído ainda há pouco.
- O queijo que você quer para o lanche.
(Mário Lago, 16 linhas cravadas.
São Paulo: Publisher Brasil, 1988. p. 41.)



Analisando o enredo, o tempo e o espaço 

Os elementos básicos de uma narrativa são a personagem, o espaço e o tempo, organizados no enredo por um narrador. o espaço em que as ações acontecem está intimamente ligado ao tempo em que ocorrem , da mesma maneira que ambos estão ligados à caracterização das personagens . É nessa articulação - chamada - enredo- que se instaura um movimento que faz o leitor envolver-se no que é narrado.

Pode-se dizer que o enredo é o conjunto dos fatos de uma história. Nele estão envolvidas a apresentação das personagens e das situações, além das sucessivas transformações pelas quais elas vão passando ao longo do tempo transcorrido.

Uma narrativa traz cinco pilares de sustentação.

O enredo (como?)
        Trata-se, aqui, da ação da narrativa, da sucessão de fatos, vivências, situações. É também chamado de intriga, fabulação, trama etc. Nele as personagens se põem em movimento, mantendo uma com as outras, como na vida, relações que podem ser de colaboração, de afinidade, de oposição, de competição, etc.

As personagens (quem?)
        Entre as personagens há aquelas que se destacam porque agem mais: são as protagonistas, também chamadas de heróis ou personagens principais. As que se relacionam com elas por oposição são as antagonistas, que geralmente aparecem também em primeiro plano. Em volta dessas, há sempre um conjunto de personagens secundárias, que ajudam a sustentar a trama.
    
O tempo (quando)
          As personagens vivem e agem num dado espaço, durante certo tempo. Esse tempo pode ser cronológico ou psicológico. O tempo cronológico é o da natureza, aquele marcado pelo relógio, relacionado com o passar das horas e dos minutos - fundamental nas narrativas históricas.  O tempo psicológico é o tempo da duração interior dos fatos, variável de indivíduo para indivíduo e composto de momentos imprecisos, que se fundem ou se aproximam. Nele podem misturar- se passado, presente e futuro, ao sabor dos sentimentos das lembranças.

O espaço (onde?)
         A ambientação, o conjunto de elementos que copõem, por exemplo, o quarto, a sal, a rua, o bar, a montanha, a floresta, a escola, a cidade, o sertão etc., constitui o espaço narrativo. Ou seja, o lugar onde se movem as personagens. Existe também o espaço psicológico, que é o espaço interior, o universo da nossa vivência subjetiva, pessoal, cheio de sonhos e desejos que predominam nas narrativas intimistas.

O conflito     
No desenrolar do enredo tem papel fundamental o conflito, isto é, o elemento de tensão em torno do qual são organizados os fatos e seu desenvolvimento. Por ser o elemento que mais prende a atenção do leitor, o conflito, de maneira geral, determina as parte do enredo:

*introdução (ou apresentação): é o começo da história, a parte na qual se apresenta os fatos iniciais, as personagens e, às vezes, o tempo e o espaço. Perceba que no texto O queijo, de Mário Lago, a introdução é o primeiro parágrafo onde se dá a apresentação das três personagens e alguns acontecimentos.

*complicação (ou desenvolvimento): é a parte em que o conflito se desenvolve, complicando-se (pode haver mais de um conflito na história). No texto O queijo, de Mário Lago, vai de “- Eu moro aqui. Quer entrar?” a “ Estavam em Stutgart, Miro dormia o sono solto.”. ( o enredo se complica com o convite de Miro, pois a partir daí, Lu se envolve com ele e passa a acompanhá-lo em suas viagens, até que um dia, lembra-se de Dalmo.

*clímax: é o ponto culminante da história, o de maior tensão, o momento em que o conflito atinge seu ponto máximo. No texto O queijo, de Mário Lago, “Correu para o aeroporto” é uma frase que  sintetiza grande tensão, gerando ansiedade no leitor, pois significa duas coisas: Lu abandonou Miro e decidiu voltar para Dalmo.

 *conclusão (ou desfecho): é a solução final do conflito, que pode ser feliz, trágica, inesperada, cômica, surpreendente, etc. ). No texto O queijo, de Mário Lago, Vai de “ Era um fim de tarde” ate o final surpreendente expresso na frase “_ O queijo que você quer para o lanche”.

O enredo pode ser desenvolver de modo linear, isto é, numa sucessão contínua de fatos, que vêm um após o outro, num encadeamento lógico de causa e consequência. E pode também desenvolver-se de modo não linear, ou seja, de maneira que os fatos não são apresentados em sequência; eles evoluem aos saltos, como omissões, interrupções e cortes. No texto O queijo, de Mário Lago, embora predomine o tempo cronológico, pois o narrador registra fatos acontecidos no período de dois anos e meio, há, no encontro de Lu e seu ex-namorado, um afastamento do tempo presente quando os dois voltam ao passado (tempo psicológico).

Um texto narrativo não é,  portanto, um mero relatar de acontecimentos, mas o resultado de um trabalho de organização e recriação de um mundo particular, no interior do qual tudo deve fazer sentido.


Fonte: FERREIRA, Marina. Redação: palavra e arte: ensino médio – 2. Ed. São Paulo: Atual, 2010

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

sob ou sobre


                                                  Tirei daqui



Sob significa embaixo de.
Exemplo: O cidadão estava sob suspeita.

Sobre significa em cima de .
Exemplo:  As mãos estão sobre a mesa.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Jure ou juri



Jure é a forma do presente do indicativo do verbo jurar.
Exemplo: Querem que ele jure inocência.

Juri é o grupo de pessoas que deve fazer um julgamento.

Incipiente ou insipiente



Incipiente é iniciante, que está no começo.
Exemplo: Esta pesquisa ainda está em uma fase incipiente.

Insipiente é ignorante, que não sabe nada.
Ele é um homem insipiente, mas gosta de dar palpite em tudo.

Aja ou haja

Aja é a forma do verbo agir.
Exemplo: Não fique aí parado! Aja imediatamente!

Haja é a forma do verbo haver.
Exemplo: Espero que haja comida para mim.

José Luis Peixoto





                                                              José Luís Peixoto
                                                                                Tirei daqui


Fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e 
vestido com roupa passada a ferro, rastos de chamas
dentro do corpo, gritos desesperados sob as conversas: 
fingir que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua 
onde os nossos olhares se encontram é noite: as 
pessoas não imaginam: são tão ridículas as pessoas, 
tão desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: 
nós olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a 
ferver sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades
de medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, 
Pergunto dentro de mim: será que vou morrer? Olhas-me e só tu
sabes:ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode 
dizer:amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: 
um oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga. 


(José Luis Peixoto)




José Luís Peixoto (1974, Galveias, Portalegre, Portugal), escritor Português.    
Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Inglês e Alemão) pela Universidade Nova de Lisboa. Tem publicado poesia e prosa. Recebeu o Prémio Jovens Criadores (área de literatura) nos anos 97, 98 e 2000. Em 2001, o seu romance «Nenhum Olhar» recebeu o Prémio Literário José Saramago. Está representado em diversas antologias de prosa e de poesia nacionais e estrangeiras. É colaborador de diversas publicações nacionais e estrangeiras. Em 2005, escreveu as peças de teatro «Anathema» (estreada no Theatre de la Bastille, Paris) e «À Manhã» (estreado no Teatro São Luiz, Lisboa). Em 2006, publicou o romance «Cemitério de Pianos». Os seus romances estão publicados em França, Itália, Bulgária, Turquia, Finlândia, Holanda, Espanha, República Checa, Croácia, Bielo-Rússia e Brasil.    
Estando actualmente em preparação edições no Reino Unido, Hungria e Japão.

    Obras: 

Morreste-me (ficção, 2000)
Nenhum Olhar (romance, 2000)
A Criança em Ruínas (poesia, 2001)
Uma Casa na Escuridão (romance, 2002)
A Casa, a Escuridão (poesia, 2002)
Antídoto (ficção, 2003)
Cemitério de Pianos (romance, 2006)

sábado, 19 de janeiro de 2013

À espera do amor




                           Tirei daqui



Aproxima-se da porteira do cinema.
- Ela chegou?
- Quem?
- Minha namorada.
- Como vou saber quem é?
- Verdade, você não a conhece. E devem entrar aqui centenas de pessoas.
- Por dia? Milhares, principalmente num filme como esse! Não sei o que viram nele.
- História de amor. Todo mundo gosta.
- Amor! Como se alguém acreditasse no amor.
- Eu acredito. Por isso estou aqui, à espera de minha namorada.
- Há meses você vem aqui todos os dias. Meses!
Ficou por ali, sempre com o rabo do olho na entrada do cinema. Terminou a primeira sessão, nada. A segunda, tudo igual. Antes da terceira – porque eram sessões corridas, normais sempre que havia um filme de sucesso – houve uma troca de porteiros. 
Chegou o sujeito carrancudo que sempre desconfiava dele e, um dia, tinha chegado a chamar o segurança para expulsá-lo. Tudo tinha se resolvido, O porteiro acenou:
- Continua à espera?
- Sempre!
- Não entendo, juro que não entendo.
- Porque nunca amou.
- Quem disse?
- Veja a sua cara! Amarrada, amargurada, tem o olhar triste e fundo. Cadê a alegria de quem ama?
- Gosto muito.
- Gostar não é amar.
- Achei que era a mesma coisa.
- Amar é tudo.
- E gostar?
- Gostar é gostar. Amar é amar. Gostar quer dizer trinta por cento do sentimento. Amar é cem por cento.
- Você é estranho. Não te entendo. Diz coisas complicadas.
- Amar é simples.
- Fico te olhando, você vem aqui todos os dias, á espera dessa namorada que nunca aparece.
- Vai aparecer.
- Por que não liga pra ela?
- Não tenho o número!
- Namora e não tem o número:
- Não namoro ainda. Vou namorar.
- O quê?
- Vou namorar. O dia em que ela chegar e entrar por essa porta, vou saber que é ela.
- Como? Como é que se sabe?
- Sabendo. É olhar e sentir. O coração acelera, a gente começa a suar, o estomago sobe para a garganta, a respiração fica ofegante, as pernas ficam bambas, as unhas tremem.
- As unhas tremem?
- É a melhor coisa. Tão bom viver assim… Você se sente desaparecer.
- Desaparecer?
- Some. E quando perceber, você é outro. Está naquele que ama. Inteiro dentro, uma coisa só. Daquele momento em diante, dois viram um.
- Sei, sei…
Nesse momento, ele se afastou para deixar entrar uma jovem morena, de olhos miúdos e um riso que se esparramava pelo rosto. Ele começou a suar.
Os dois se olharam e ele percebeu que após meses e meses tinha acontecido. O coração acelerou.
A espera tinha terminado. As unhas tremeram.
Ela continuou olhando e também sentiu. O estomago subiu à garganta. E o porteiro ficou assombrado, quando em lugar de duas pessoas, viu entrar apenas uma no cinema.
Onde estava a outra? Quem entrou piscou maliciosamente para ele.
- “Entendeu?” - perguntou.
O porteiro fez que sim… Era o amor.



Ignácio Loyola Brandão

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Um Apólogo





Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora?  A senhora não é alfinete, é agulha.  Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa!  Porque coso.  Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você?  Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser.  Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco?  Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas?  Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: 
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. 
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

Machado de Assis

Texto extraído do livro "Para Gostar de Ler - Volume 9 - Contos", Editora Ática - São Paulo, 1984, pág. 59.




terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A menina de lá




Sua casa ficava para trás da Serra do Mim, quase no meio de um brejo de água limpa, lugar chamado o Temor-de-Deus. O Pai, pequeno sitiante, lidava com vacas e arroz; a Mãe, urucuiana, nunca tirava o terço da mão, mesmo quando matando galinhas ou passando descompostura em alguém. E ela, menininha, por nome Maria, Nhinhinha dita, nascera já muito para miúda, cabeçudota e com olhos enormes.
         Não que parecesse olhar ou enxergar de propósito. Parava quieta, não queria bruxas de pano, brinquedo nenhum, sempre sentadinha onde se achasse, pouco se mexia. – "Ninguém entende muita coisa que ela fala..." – dizia o Pai, com certo espanto. Menos pela estranhez das palavras, pois só em raro ela perguntava, por exemplo: - "Ele xurugou?" – e, vai ver, quem e o quê, jamais se saberia. Mas, pelo esquisito do juízo ou enfeitado do sentido. Com riso imprevisto: - "Tatu não vê a lua..." – ela falasse. Ou referia estórias, absurdas, vagas, tudo muito curto: da abelha que se voou para uma nuvem; de uma porção de meninas e meninos sentados a uma mesa de doces, comprida, comprida, por tempo que nem se acabava; ou da precisão de se fazer lista das coisas todas que no dia por dia a gente vem perdendo. Só a pura vida.
        Em geral, porém, Nhinhinha, com seus nem quatro anos, não incomodava ninguém, e não se fazia notada, a não ser pela perfeita calma, imobilidade e silêncios. Nem parecia gostar ou desgostar especialmente de coisa ou pessoa nenhuma. Botavam para ela a comida, ela continuava sentada, o prato de folha no colo, comia logo a carne ou o ovo, os torresmos, o do que fosse mais gostoso e atraente, e ia consumindo depois o resto, feijão, angu, ou arroz, abóbora, com artística lentidão. De vê-la tão perpétua e imperturbada, a gente se assustava de repente. – "Nhinhinha, que é que você está fazendo?" – perguntava-se. E ela respondia, alongada, sorrida, moduladamente: - "Eu... to-u... fa-a-zendo". Fazia vácuos. Seria mesmo seu tanto tolinha?
       Nada a intimidava. Ouvia o Pai querendo que a Mãe coasse um café forte, e comentava, se sorrindo: - "Menino pidão... Menino pidão..." Costumava também dirigir-se à Mãe desse jeito: - "Menina grande... Menina grande..." Com isso Pai e Mãe davam de zangar-se. Em vão. Nhinhinha murmurava só: - "Deixa... Deixa..." – suasibilíssima, inábil como uma flor. O mesmo dizia quando vinham chamá-la para qualquer novidade, dessas de entusiasmar adultos e crianças. Não se importava com os acontecimentos. Tranqüila, mas viçosa em saúde. Ninguém tinha real poder sobre ela, não se sabiam suas preferências. Como puni-la? E, bater-lhe, não ousassem; nem havia motivo. Mas, o respeito que tinha por Mãe e Pai, parecia mais uma engraças espécie de tolerância. E Nhinhinha gostava de mim.
      Conversávamos, agora. Ela apreciava o casacão da noite. – "Cheiinhas!" – olhava as estrelas, deléveis, sobrehumanas. Chamava-as de "estrelinhas pia-pia". Repetia: - "Tudo nascendo!" – essa sua exclamação dileta, em muitas ocasiões, com o deferir de um sorriso. E o ar. Dizia que o ar estava com cheiro de lembrança. – "A gente não vê quando o vento se acaba..." Estava no quintal, vestidinha de amarelo. O que falava, às vezes era comum, a gente é que ouvia exagerado: - "Alturas de urubuir..." Não, dissera só: - "... altura de urubu não ir." O dedinho chegava quase no céu. Lembrou-se de: - "Jabuticaba de vem-mever..." Suspirava, depois: - "Eu quero ir para lá." – Aonde? – "Não sei" Aí, observou: - "O passarinho desapareceu de cantar..." De fato, o passarinho tinha estado cantando, e, no escorregar do tempo, eu pensava que não estivesse ouvindo; agora, ele se interrompera. Eu disse: - "A Avezinha." De por diante, Nhinhinha passou a chamar o sabiá de "Senhora Vizinha..." E tinha respostas mais longas: - "Eeu? Tou fazendo saudade." Outra hora falava-se de parentes já mortos, ela riu: - "Vou visitar eles..." Ralhei, dei conselhos, disse que ela estava com a lua. Olhou-me, zombaz, seus olhos muito perspectivos: - "Ele te xurugou?" Nunca mais vi Nhinhinha.
          Sei, porém, que foi por aí que ela começou a fazer milagres.
Nem Mãe nem Pai acharam logo a maravilha, repentina. Mas Tiantônia. Parece que foi de manhã. Nhinhinha, só, sentada, olhando o nada diante das pessoas: - "Eu queria o sapo vir aqui" Se bem a ouviram, pensaram fosse um patranhar, o de seus disparates, de sempre. Tiantônia, por vezo, acenou-lhe com o dedo. Mas, aí, reto, aos pulinhos, o ser entrava na sala, para aos pés de Nhinhinha – e não o sapo de papo, mas uma bela rã brejeira, vinda do verduroso, a rã verdíssima. Visita dessas jamais acontecera. E ela riu: - "Está trabalhando um feitiço..." Os outros se pasmaram; silenciaram demais.
         Dias depois, com o mesmo sossego: - "Eu queria uma pamonhinha de goiabada" – sussurrou; e, nem bem meia hora, chegou uma dona, de longe, que trazia os pãezinhos da goiabada enrolada na palha. Aquilo, quem entendia? Nem os outros prodígios, que vieram se seguindo. O que ela queria, que falava, súbito acontecia. Só que queria muito pouco, e sempre as coisas levianas e descuidosas, o que não põe nem quita. Assim, quando a Mãe adoeceu de dores, que eram de nenhum remédio, não houve fazer com que Nhinhinha lhe falasse a cura. Sorria apenas, segredando seu – "Deixa... Deixa..." – não a podiam despersuadir. Mas veio vagarosa, abraçou a Mãe e a beijou , quentinha. A Mãe, que a olhava com estarrecida fé, sarou-se então, num minuto. Souberam que ela tinha também outros modos.
      Decidiram de guardar segredo. Não viessem ali os curiosos, gente maldosa e interesseira, com escândalos. Ou os padres, o bispo, quisessem tomar conta da menina, levá-la para sério convento. Ninguém, nem os parentes de mais perto, devia saber. Também, o Pai, Tiantônia e a Mãe, nem queria versar conversas, sentiam um medo extraordinário da coisa. Achavam ilusão.
          O que ao Pai, aos poucos, pegava a aborrecer, era que de tudo não se tirasse o sensato proveito. Veio a seca, maior, até o brejo ameaçava se estorricar. Experimentaram pedir a Nhinhinha: que quisesse a chuva. – "Mas, não pode, ué..." – ela sacudiu a cabecinha. Instaram-na: que, se não, se acabava tudo, o leito, o arroz, a carne, os doces, frutas, o melado. – "Deixa... Deixa..." – se sorria, repousada, chegou a fechar os olhos, ao insistirem, no súbito adormecer das andorinhas.
            Daí a duas manhãs quis: queria o arco-íris. Choveu. E logo aparecia o arco-da-velha, sobressaído em verde e o vermelho – que era mais um vivo cor-de-rosa. Nhinhinha se alegrou, fora do sério, à tarde do dia, com a refrescação. Fez o que nunca lhe vira, pular e correr por casa e quintal.
            - "Adivinhou passarinho verde?" – Pai e Mãe se perguntavam. Esses, os passarinhos, cantavam, deputados de um reino. Mas houve que, a certo momento, Tiantônia repreendesse a menina, muito brava, muito forte, sem usos, até a Mãe e o Pai não entenderam aquilo, não gostaram. E Nhinhinha, branda, tornou a ficar sentadinha, inalterada que nem se sonhasse, ainda mais imóvel, com seu passarinho-verde pensamento. Pai e Mãe cochichavam, contentes: que, quando ela crescesse e tomasse juízo, ia poder ajudar muito a eles, conforme à Providência decerto prazia que fosse.
            E, vai, Nhinhinha adoeceu e morreu. Diz-se que da má água desses ares. Todos os vivos atos se passam longe demais.
             Desabado aquele feito, houve muitas diversas dores, de todos, dos de casa: um de-repente enorme. A Mãe, o Pai e Tiantônia davam conta de que era a mesma coisa que se cada um deles tivesse morrido por metade. E mais para repassar o coração, de se ver quando a Mãe desfiava o terço, mas em vez das ave-marias podendo só gemer aquilo de – "Menina grande... Menina grande..." – com toda ferocidade. E o Pai alisava com as mãos o tamboretinho em que Nhinhinha se sentava tanto, e em que ele mesmo se sentar não podia, que com o peso de seu corpo de homem o tamboretinho se quebrava.
        Agora, precisavam de mandar um recado, ao arraial, para fazerem o caixão e aprontarem o enterro, com acompanhantes de virgens e anjos. Aí, Tiantônia tomou coragem, carecia de contar: que, naquele dia, do arco-íris da chuva, do passarinho, Nhinhinha tinha falado despropositado de satino, por isso com ela ralhara. O que fora: que queria um caixãozinho cor-de-rosa, com enfeites de verdes brilhantes... A agouraria! Agora, era para se encomendar o caixãozinho assim, sua vontade?
              O Pai, em bruscas lágrimas, esbravejou: que não! Ah, que, se consentisse nisso, era como tomar culpa, estar ajudando ainda Nhinhinha a morrer...
               A Mãe queria, ela começou a discutir com o Pai. Mas, no mais choro, se serenou – o sorriso tão bom, tão grande – suspensão num pensamento: que não era preciso encomendar, nem explicar, pois havia de sair bem assim, do jeito, cor-de-rosa com verdes funebrilhos, porque era, tinha de ser! – pelo milagre, o de sua filhinha em glória, Santa Nhinhinha.

(in Primeiras Estórias, João Guimarães Rosa, Editora Nova Fronteira)


Posar ou pousar




Posar é fazer pose, servir de modelo.
Exemplo: A garota quer posar para uma revista de moda.

Pousar é colocar, pôr. 
Exemplo: Só quero pousar a cabeça no travesseiro e dormir.

Lactante ou lactente





Lactante é a mulher que amamenta.
Lactente é a criança que ainda mama.

Estirpe ou extirpe

Estirpe significa linhagem, ascendência.
Exemplo: Venho de uma estirpe nobre.

Extirpe é o presente do subjuntivo do verbo extirpar ( arrancar com raiz e tudo).
Exemplo: Quero que extirpe as ervas daninhas.

dose ou doze





Dose [ó] é a quantidade ou medida certa de alguma substância.
Exemplo: Menino, venha tomar uma dose de xarope.

Doze [ô] é  numeral cardinal.
Exemplo: O ano tem doze meses.

degradar ou degredar



Degradar é rebaixar, desvalorizar. 
Exemplo: O crack degrada o homem.

Degredar é exilar, expulsar alguém de sua pátria.
Exemplo:
"Os degredados filhos de Eva."