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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Al berto



                                          Tirei daqui

mais nada se move em cima do papel 

nenhum olho de tinta iridescente pressagia 

o destino deste corpo 

os dedos cintilam no húmus da terra 

e eu 

indiferente à sonolência da língua 

ouço o eco do amor há muito soterrado 

encosto a cabeça na luz e tudo esqueço 

no interior dessa ânfora alucinada 

desço com a lentidão ruiva das feras 

ao nervo onde a boca procura o sul 

e os lugares dantes povoados 

ah meu amigo 

demoraste tanto a voltar dessa viagem 

o mar subiu ao degrau das manhãs idosas 

inundou o corpo quebrado pela serena desilusão 

assim me habituei a morrer sem ti .


Eremitério (Al berto)



Alberto Raposo Pidwell Tavares (seu pseudónimo Al Berto) nasceu em Coimbra no dia 11 de Janeiro de 1948. Al Berto foi um poeta e editor português. É em Sines onde passa toda a infância e adolescência até que a familia decide enviá-lo para o estalebecimento de ensino artístico Escola António Arroio, em Lisboa. Al Berto frequentou diversos cursos de artes plásticas, em Portugal e em Bruxelas, onde se exilou em 1967. A partir de 1971 dedicou-se exclusivamente à literatura.     
A sua poesia retomou, de algum modo, a herança surrealista, fundindo o real e o imaginário. Está presente, frequentemente, uma particular atenção ao quotidiano como lugar de objectos e de pessoas, de passagem e de permanência, de ligação entre um tempo histórico e um tempo individual. O Medo (uma antologia do seu trabalho desde 1974 a 1986) veio a tornar-se no trabalho mais importante da sua obra e o seu testemunho artístico.     
Deixou ainda textos incompletos para uma ópera, para um livro de fotografia sobre Portugal e uma «falsa autobiografia», como o próprio autor a intitulava.     
Morreu de linfoma em 1997.

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