Tirei daqui
mais nada se move em cima do papel
nenhum olho de tinta iridescente pressagia
o destino deste corpo
os dedos cintilam no húmus da terra
e eu
indiferente à sonolência da língua
ouço o eco do amor há muito soterrado
encosto a cabeça na luz e tudo esqueço
no interior dessa ânfora alucinada
desço com a lentidão ruiva das feras
ao nervo onde a boca procura o sul
e os lugares dantes povoados
ah meu amigo
demoraste tanto a voltar dessa viagem
o mar subiu ao degrau das manhãs idosas
inundou o corpo quebrado pela serena desilusão
assim me habituei a morrer sem ti .
Eremitério (Al berto)
Alberto Raposo Pidwell Tavares (seu pseudónimo Al Berto) nasceu em Coimbra no dia 11 de Janeiro de 1948. Al Berto foi um poeta e editor português. É em Sines onde passa toda a infância e adolescência até que a familia decide enviá-lo para o estalebecimento de ensino artístico Escola António Arroio, em Lisboa. Al Berto frequentou diversos cursos de artes plásticas, em Portugal e em Bruxelas, onde se exilou em 1967. A partir de 1971 dedicou-se exclusivamente à literatura.
A sua poesia retomou, de algum modo, a herança surrealista, fundindo o real e o imaginário. Está presente, frequentemente, uma particular atenção ao quotidiano como lugar de objectos e de pessoas, de passagem e de permanência, de ligação entre um tempo histórico e um tempo individual. O Medo (uma antologia do seu trabalho desde 1974 a 1986) veio a tornar-se no trabalho mais importante da sua obra e o seu testemunho artístico.
Deixou ainda textos incompletos para uma ópera, para um livro de fotografia sobre Portugal e uma «falsa autobiografia», como o próprio autor a intitulava.
Morreu de linfoma em 1997.
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