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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Os sofrimentos do jovem Werther - Romantismo


Caro Wilhelm, encontro-me no mesmo estado daqueles infelizes que se acham possuídos por um espírito maligno. É algo que me acomete às vezes: não se trata de angústia nem de desejo... É um tumulto interior, desconhecido, que ameaça dilacerar-me o peito, que me aperta a garganta! Ai de mim! Nesses momentos vagueio por entre horrendas cenas noturnas dessa época inimiga dos homens.

Ontem à noite não pude ficar em casa. O degelo chegou de repente. Disseram-me que o rio havia transbordado, que todos os riachos estavam cheios e que, de Wahlheim até aqui, todo o meu querido vale ficara inundado! Eram mais de onze horas quando sai de casa. Que espetáculo assombroso ver do rochedo, ao luar, as torrentes furiosas invadindo os campos, prados e cercados, e o grande vale formando um só mar sublevado, em meio ao rugir do vento. E quando a lua reapareceu por sobre uma nuvem negra e diante de mim, as torrentes de águas com reflexo terrível e magnífico, se entrechocavam , despedaçando-se, percorreu-me, então, um tremor, seguido de um desejo brutal. Ah! Com os braços abertos, debrucei-me sobre o abismo, enquanto me perdia num pensamento prazeroso: precipitar as minhas dores e os meus sofrimentos na voragem das águas, deixando-me arrastar por aquelas ondas! Oh!... E dizer que não tive coragem de levantar os pés do chão e acabar com todos os meus tormentos!... Sinto que minha hora ainda não chegou! Oh! Wilhelm! Com que prazer teria renunciado a minha vida de homem para romper as nuvens nesse vento tempestuoso e subverter as ondas!

Quão doloroso foi lançar os olhos para o recanto em que descansara com Lotte, sob um salgueiro, após um passeio num dia de muito calor e ver que ali também estava inundado e quase não reconheci o salgueiro!

“E os seus prados”, pensei, “e o campo em torno da residência de caça! E o nosso caramanchão, como deve ter sido devastado pelas águas devoradoras!

E um raio de sol do passado brilhou em minha alma, da mesma forma como sonhar com rebanhos, pradarias e honras ou glórias deve iluminar a alma de um prisioneiro. Eu estava lá!... Não me censuro, pois tenho coragem para morrer... Agora, estou sentado aqui como uma mulher velha que cata a sua lenha ao longo das cercas mendiga o pão de porta em porta, a fim de atenuar e prolongar um pouco mais a sua triste e miserável vida.

Do livro: "Os sofrimentos do jovem Werther", Círculo do Livro, 1988, SP

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