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sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Macacos


                              Desenho animado Macacos Adaptação do Conto Macacos, Clarice Lispector
                                                                  Tirei daqui

Da primeira vez que tivemos em casa um mico foi perto do Ano-Novo. Estávamos sem água e sem empregada, fazia-se fila para carne, o calor rebentara — e foi quando, muda de perplexidade, vi o presente entrar em casa, já comendo banana, já examinando tudo com grande rapidez e um longo rabo. Mais parecia um macacão ainda não crescido, suas potencialidades eram tremendas. Subia pela roupa estendida na corda, de onde dava gritos de marinheiro, e jogava cascas de banana onde caíssem. E eu exausta. Quando me esquecia e entrava distraída na área de serviço, o grande sobressalto: aquele homem alegre ali. Meu menino menor sabia, antes de eu saber, que eu me desfaria do gorila: "E se eu prometer que um dia o macaco vai adoecer e morrer, você deixa ele ficar? e se você soubesse que de qualquer jeito ele um dia vai cair da janela e morrer Iá embaixo?" Meus sentimentos desviavam o olhar. A inconsciência feliz e imunda do macacão-pequeno tornava-me responsável pelo seu destino, já que ele próprio não aceitava culpas. Uma amiga entendeu de que amargura era feita a minha aceitação, de que crimes se alimentava meu ar sonhador, e rudemente me salvou: meninos de morro apareceram numa zoada feliz, levaram o homem que ria, e no desvitalizado Ano-Novo eu pelo menos ganhei uma casa sem macaco.

Um ano depois, acabava eu de ter uma alegria, quando ali em Copacabana vi o agrupamento. Um homem vendia macaquinhos. Pensei nos meninos, nas alegrias que eles me davam de graça, sem nada a ver com as preocupações que também de graça me davam, imaginei uma cadeia de alegria: "Quem receber esta, que a passe a outro", e outro para outro, como o frêmito num rastro de pólvora. E ali mesmo comprei a que se chamaria Lisette.
Quase cabia na mão. Tinha saia, brincos, colar e pulseira de baiana. E um ar de imigrante que ainda desembarca com o traje típico de sua terra. De imigrante também eram os olhos redondos.
Quanto a essa, era mulher em miniatura. Três dias esteve conosco. Era de uma tal delicadeza de ossos. De uma tal extrema doçura. Mais que os olhos, o olhar era arredondado. Cada movimento, e os brincos estremeciam; a saia sempre arrumada, o colar vermelho brilhante. Dormia muito, mas para comer era sóbria e cansada. Seus raros carinhos eram só mordida leve que não deixava marca.
No terceiro dia estávamos na área de serviço admirando Lisette e o modo como ela era nossa. "Um pouco suave demais", pensei com saudade do meu gorila. E de repente foi meu coração respondendo com muita dureza: "Mas isso não é doçura. Isto é morte". A secura da comunicação deixou-me quieta. Depois eu disse aos meninos: "Lisette está morrendo". Olhando-a, percebi então até que ponto de amor já tínhamos ido. Enrolei Lisette num guardanapo, fui com os meninos para o primeiro pronto-socorro, onde o médico não podia atender porque operava de urgência um cachorro. Outro táxi. — Lisette pensa que está passeando, mamãe — outro hospital. Lá deram-lhe oxigênio.
E com o sopro de vida, subitamente revelou-se uma Lisette que desconhecíamos. De olhos muito menos redondos, mais secretos, mais aos risos e na cara prognata e ordinária uma certa altivez irônica; um pouco mais de oxigênio, e deu-lhe uma vontade de falar que ela mal agüentava ser macaca; era, e muito teria a contar. Breve, porém, sucumbia de novo, exausta. Mais oxigênio e dessa vez uma injeção de soro a cuja picada ela reagiu com um tapinha colérico, de pulseira tilintando. O enfermeiro sorriu: "Lisette, meu bem, sossega!"
O diagnóstico: não ia viver, a menos que tivesse oxigênio à mão e, mesmo assim, improvável. "Não se compra macaco na rua", censurou-me ele abanando a cabeça, "às vezes já vem doente". Não, tinha-se que comprar macaca certa, saber da origem, ter pelo menos cinco anos de garantia do amor, saber do que fizera ou não fizera, como se fosse para casar. Resolvi um instante com os meninos. E disse para o enfermeiro: "O senhor está gostando muito de Lisette. Pois se o senhor deixar ela passar uns dias perto do oxigênio, no que ela ficar boa, ela é sua". Mas ele pensava. "Lisette é bonita!", implorei eu. "É linda", concordou ele pensativo. Depois ele suspirou e disse: "Se eu curar Lisette, ela é sua". Fomos embora, de guardanapo vazio.
No dia seguinte telefonaram, e eu avisei aos meninos que Lisette morrera. O menor me perguntou: "Você acha que ela morreu de brincos?" Eu disse que sim. Uma semana depois o mais velho me disse: "Você parece tanto com Lisette!" "Eu também gosto de você", respondi.

Clarice Lispector
Disponível em: http://claricelispector.blogspot.com.br/2008/05/macacos.html                





Tirei daqui
                    Clarice Lispector nasceu na Ucrânia, mas seus pais imigraram para o Brasil pouco depois. Chegou a Maceió com dois meses de idade, com seus pais e duas irmãs. Em 1924 a família mudou-se para o Recife, e Clarice passou a frequentar o grupo escolar João Barbalho. Aos oito anos, perdeu a mãe. Três anos depois, transferiu-se com seu pai e suas irmãs para o Rio de Janeiro.
                    Em 1939 Clarice Lispector ingressou na faculdade de direito, formando-se em 1943. Trabalhou como redatora para a Agência Nacional e como jornalista no jornal "A Noite". Casou-se em 1943 com o diplomata Maury Gurgel Valente, com quem viveria muitos anos fora do Brasil. O casal teve dois filhos, Pedro e Paulo, este último afilhado do escritor Érico Veríssimo.
                          Seu primeiro romance foi publicado em 1944, "Perto do Coração Selvagem". No ano seguinte a escritora ganhou o Prêmio Graça Aranha, da Academia Brasileira de Letras. Dois anos depois publicou "O Lustre".

                         Em 1954 saiu a primeira edição francesa de "Perto do Coração Selvagem", com capa ilustrada por Henri Matisse. Em 1956, Clarice Lispector escreveu o romance "A Maçã no Escuro" e começou a colaborar com a Revista Senhor, publicando contos.
                       Separada de seu marido, radicou-se no Rio de Janeiro. Em 1960 publicou seu primeiro livro de contos, "Laços de Família", seguido de "A Legião Estrangeira" e de "A Paixão Segundo G. H.", considerado um marco na literatura brasileira.
                        Em 1967 Clarice Lispector feriu-se gravemente num incêndio em sua casa, provocado por um cigarro. Sua carreira literária prosseguiu com os contos infantis de "A Mulher que matou os Peixes", "Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres" e "Felicidade Clandestina".
                          Nos anos 1970 Clarice Lispector ainda publicou "Água Viva", "A Imitação da Rosa", "Via Crucis do Corpo" e "Onde Estivestes de Noite?". Reconhecida pelo público e pela crítica, em 1976 recebeu o prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal, pelo conjunto de sua obra.
No ano seguinte publicou "A Hora da Estrela", seu ultimo romance, que foi adpatado para o cinema, em 1985.
                         Clarice Lispector morreu de câncer, na véspera de seu aniversário de 57 anos.

Disponível em : http://educacao.uol.com.br/biografias/clarice-lispector.jhtm

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