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quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

UMA CRIATURA DÓCIL



Oi, turminha!

Para quem ama a literatura, um passeio pela novela Uma Criatura Dócil será um pequeno prazer inadiável. Postei uma resenha show!
Disponível em: http://www.livrosabertos.com.br/2011/11/08/uma-criatura-docil/


Se der vontade, divirta-se!

www.slideshare.net/LongPlay/fiodor-dostoievski-uma-criatura-docil



                    Cosac Naify


Longe de ser uma leitura difícil, Uma criatura dócil é uma novela cujo intervalo de tempo entre a primeira e a última página pode ser super-rápido, mesmo levando em conta os leitores iniciantes. Ou seja: é um prazer que dura uma tarde ou menos. O problema não é o esforço exigido para entender a história no grau mais primário, e sim o trabalho complexo de análise a ser feito para compreender exatamente as implicações do enredo. É basicamente Dostoiévski com sua fórmula usual — uma escrita descomplicada e um tema pesado, com mil e uma interpretações válidas. A narrativa não chega a ser kafkiana, na medida em que, como afirma o escritor, é “realista no mais alto grau”. Mas, dadas as possibilidades de se retirar dela um número assustador de significados, ou mesmo nenhum (por mais paradoxal que soe), dá para compará-la ao clássico A Metamorfose.
Duas editoras publicaram a novela que o próprio Fiódor classificou como “fantástica” (“Intitulei-a de ‘fantástica’, ainda que eu mesmo a considere realista no mais alto grau. Mas aqui de fato ocorre o fantástico, e justamente na própria forma da história, o que eu considero necessário esclarecer de antemão”.): a Cosac Naify, sob o título de Uma criatura dócil (R$ 42,00), e a Editora 34, emDuas narrativas fantásticas — A dócil e O sonho de um homem ridículo (R$ 34,00). Possuo o exemplar da Cosac: leve, bem-feito, com litografias de Lasar Segall e tradução de Fátima Bianchi.
O livro tem início com uma morte. A mulher de um propretário de uma casa de penhores jaz, pelo que serão os últimos momentos antes dos atos fúnebres, inerte diante dele. A tarefa que ele se impõe parece ainda mais nefasta do que a própria perda: compreender o porquê da daquilo tudo. Assim, em um monólogo desesperado e nem sempre coerente, o narrador detalha o momento em que os dois se conheceram — quando ela penhorava seus poucos e pífios pertences para publicar, no jornal, anúncios através dos quais procurava um emprego —, seu casamento e o fim da vida dela.
O matrimônio do senhor com a jovem de dezesseis anos é pouco ou nada esclarecido, envolto em nuvens de ambos os lados. Ele buscava uma companheira que o compreendesse e aplacasse sua solidão; ela procurava fugir à pobreza extrema e aos maus-tratos das tias. Ambos falharam em suas atribuições e, consequentemente, não tiveram satisfeitas as suas necessidades (as dela, no entanto, não ficam claras). A partir do momento em que o relacionamento tem início, logo após a proposta feita de forma pragmática e um tanto fria, a comunicação deficiente, o orgulho e a melancolia têm peso determinante no desfecho que tira a vida da moça. E mais o leitor não pode enxergar: só pressupor.
Mesmo em se tratando de um monólogo, e mesmo sendo uma obra-prima de Dostoiévski, que sabidamente mergulha no psicológico de suas personagens, é dificílimo sondar o que aconteceu e porquê aconteceu. A simbologia é belíssima — quando a moça penhora uma estátua da Virgem e sua própria pureza e, por isso, paga com a vida o preço pelo resgate de esperanças e sonhos perdidos após um casamento infeliz com um sujeito que claramente faz uma leitura errada do modo correto de acolhê-la.
Uma criatura dócil é angustiante, desagradável e deprimente. É ótimo, como tudo o que Dostoiévski produziu, mas a impressão que deixa é péssima, funesta. Não é o fato de ser necessário refletir sobre a obra o que a torna tão intolerável, mas precisamente as conclusões a que o leitor pode chegar — todas extremamente tristes. Que uma pequena falha em nossa comunicação pode provocar as maiores catástrofes. Que nossos desejos nem sempre são os do outro. Que a orgulhosa vontade de parecer ser qualquer outra coisa mascara quem realmente somos. Que muitas de nossas emoções são tênues e fugazes, e que esses ímpetos podem nos custar a vida. Que somos frágeis. E, finalmente, que tudo tem um preço — o valor pode ser material ou não.

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Um comentário:

  1. Acabo de terminar a leitura de A dócil da Editora 34 - belíssima tradução, aliás. A leitura, apesar de fácil, trata de questões delicadas, que também se fazem presentes nas relações modernas. Ao final de cada leitura de Dostoievski, deparamo-nos com uma melancolia que nos força à reflexão, adentramos à órbita do "eu" e, cautos, nos comparamos aos personagens de suas obras; a comparação, por vezes, pode tanto apelar à melancolia niilista, quanto para um sentido de esperança por entre a densa melancolia dostoievskiana. Não é à toa que Nietzsche apontou Dostoievski como o único psicólogo com o qual tinha o que aprender.Gostei bastante da resenha; não procura atentar-se para as causas e porquês, mas à atribuição de significados e à complexa e anuviada relação entre os personagens principais que, como já aponta a primeira página da obra, termina em tragédia. Parabéns pelo ótimo texto.

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