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O português angolano é a variante
da língua portuguesa falada e escrita em Angola.
De todos os países lusófonos,
Angola é — com a natural exceção de Portugal e do Brasil — o país onde a língua
de Camões mais se propagou pela população e aquele onde a percentagem de
falantes de português como primeira língua é maior. Em todo o país, cerca de
70% dos 12,5milhões de habitantes falam português.
História
A adoção da língua do antigo
colonizador como “língua oficial” foi um processo comum à grande maioria dos
países africanos. No entanto, em Angola deu-se o fato pouco comum de uma
intensa disseminação do português entre a população angolana, a ponto de haver
uma expressiva parcela da população que tem como sua única língua aquela
herdada do colonizador.
Entre 1575 e 1592 estima-se que
tenham desembarcado em Angola 2340 portugueses, embora apenas 300 permanecessem
em Luanda em 1592, pois 450 teriam sido vítimas de guerras e doenças e os
restantes ter-se-iam fixado no interior, onde assimilaram as línguas e culturas
africanas. O número de mulheres europeias na colônia seria muitíssimo reduzido,
o que significa que a larga maioria dos filhos dos colonos, mestiços, eram
educados por mulheres africanas que lhes ensinavam as suas línguas.
Entre 1620 e 1750 o kimbundu
afirmou-se como a língua mais usada em praticamente todos os lares de Luanda e
na vida diária da cidade. O estabelecimento de uma elite afro-portuguesa — que
ocupava os principais cargos da administração pública e estava envolvida no
tráfico de escravos — foi o fator que mais contribuiu para esta situação.
Embora tivesse um bom conhecimento de português, esta elite era falante nativa
de kimbundu ou kikongo.
No interior dos territórios
controlados pelos portugueses, o português era usado como língua franca entre
chefes e comerciantes, mas a maioria da população expressava-se exclusivamente em
kimbundu. Na verdade, os escravos exportados a partir de Luanda,
independentemente das suas origens, aprendiam algum kimbundu e eram baptizados
nesta língua antes de serem embarcados.
Entre 1750 e 1822, os portugueses
procuraram impedir a crescente africanização, cultural e linguística, da elite
afro-portuguesa de Angola, nomeadamente através do decreto de 1765 do
governador Francisco Inocêncio da Sousa Coutinho, que desencorajava o uso de
línguas africanas na educação das crianças.
Os testemunhos da época apontam
para a utilização de variedades reestruturadas do português entre as camadas
mais pobres das cidades costeiras e arredores. Em 1894, o folclorista e
filólogo americano Heli Chatelain, ao referir-se ao kimbundu falado em Luanda,
define-o como sendo uma mistura de elementos portugueses, enumerando 90
empréstimos do português ao kimbundu, que incluem não só empréstimos lexicais
(ex. palaia, praia), mas também gramaticais (ex. poji, pois), bem como vários
exemplos de palavras portuguesas adaptadas à morfologia do kimbundu (ex.
njanena, janela; jinjanena, janelas).
Só durante o século XX é que o
português se tornou gradualmente a língua mais falada nas áreas urbanas de
Angola. Este fato ficou a dever-se, essencialmente, ao aumento do número de
colonos portugueses, tanto homens como mulheres, a maioria dos quais preferia
fixar-se nos centros urbanos costeiros, em detrimento das zonas do interior. E
apenas na década de 1950 se reuniram as condições para a generalização do
português a todo o território angolano, pois só então a maioria da população
precisou efetivamente de dominar esta língua.
Vários fatores contribuíram para
esta situação. Por um lado, durante o Estado Novo, para serem reconhecidos como
assimilados[10], os angolanos tinham de demonstrar saber ler, escrever e falar
fluentemente em português, bem como vestirem e professarem a mesma religião que
os portugueses e manterem padrões de vida e costumes semelhantes aos europeus.
O domínio de uma variedade rudimentar do português não os tornaria, portanto,
elegíveis. Era obrigatório dominar o português europeu, ainda que o acesso à
educação fosse praticamente vedado à generalidade dos angolanos.
Por outro lado, na década de
1960, em resposta à influência crescente dos movimentos nacionalistas em
Angola, Portugal investiu massivamente na intensificação da sua presença no
interior, nomeadamente através do fomento da criação de grandes colonatos
agrícolas. Finalmente, durante a década de 1970, o exército português agrupou
grande parte da população do interior, especialmente no leste, em aldeamentos,
ou seja, em “vastas aldeias organizadas pelos militares, muitas vezes rodeadas
de arame farpado, onde se agrupavam africanos anteriormente dispersos.”
Apesar de ser um processo
impositivo, a adoção do português como língua de comunicação corrente em Angola
propiciou também a veiculação de ideias de emancipação em certos sectores da
sociedade angolana, facilitando a comunicação entre pessoas de diferentes
origens étnicas. O período da guerra colonial foi o momento fundamental da
expansão da consciência nacional angolana. De instrumento de dominação e
clivagem entre colonizador e colonizado, o português adquiriu um caráter
unificador entre os diferentes povos de Angola.
Com a independência em 1975, o
alastramento da guerra civil, nas décadas subsequentes, levou à fuga de muitas
centenas de milhares de angolanos das zonas rurais para as grandes cidades —
particularmente Luanda — levando ao seu desenraizamento cultural. Data desta
época a construção de enormes zonas de habitações precárias — os musseques —
que ainda hoje caracterizam a capital angolana. Esta deslocação interna
haveria, contudo, de favorecer a difusão da língua portuguesa, já que esta se
tornaria a única língua de contacto dos refugiados internos entre si e com os
habitantes destas cidades. Após a paz entre a UNITA e o MPLA os refugiados que
regressaram às regiões rurais de origem levavam já o português como primeira
língua.
A construção da estrutura
administrativa do novo Estado nacional reforçou a presença da língua
portuguesa, usada no exército, na administração, no sistema escolar, nos meios
de comunicação, etc. Embora, oficialmente, o Estado angolano declare, na
própria constituição, que “valoriza e promove o estudo, o ensino e a utilização
das demais línguas de Angola], na prática tendeu sempre a valorizar
exclusivamente os aspectos que contribuem para a unificação do país — o
português como a única língua unificadora — em detrimento de tudo o que pudesse
contribuir para a diferenciação dos grupos e a tribalização — a miríade de
línguas e dialetos regionais e étnicos. Aspecto particularmente crítico num
continente de fronteiras recentes e artificiais.
O poder político em Angola fala
em português. A elite do MPLA, em grande percentagem, tem a língua portuguesa
como língua materna. É uma elite urbanizada que perdeu algo da sua raiz étnica.
Os dois presidentes de Angola, Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos sempre
se expressaram em português.
Variante angolana do português
Língua oficial e do ensino e um
dos fatores de unificação e integração social, o português encontra-se em
permanente transformação em Angola. As interferências linguísticas resultantes
do seu contato com as línguas regionais, a criação de novas palavras e
expressões forjadas pelo gênio inventivo popular, bem como certos desvios à
norma padrão de Portugal, imprimem-lhe uma nova força, vinculando-o e
adaptando-o cada vez mais à realidade angolana. Alguns dos muitos exemplos são
as palavras: camba, cota, caçula ou bazar, que provêm de vocábulos kimbundu,
di-kamba (amigo), dikota (mais velho), kasule (o filho mais novo) e kubaza
(fugir), respectivamente. Para além dos já plenamente dicionarizados na língua
portuguesa batuque, bobó, bunda, cambolar, capanga, cará, catinga, curinga,
dendê, gingar, ginguba, jimbolamento, jimbolo, jingo, machimbombo, maxim,
minhoca, missanga, mocambo, mocotó, moleque, munda, mupanda, mutula, muzungo,
pupu, quibuca, quilombo, quitanda, samba, sibongo, tacula, tamargueira, tanga,
tarrafe, tesse, ulojanja, umbala, xingar e muitos outros
Sobre a existência de uma
variante própria do português em Angola, Amélia Mingas escreve:
(…) uma nova realidade
linguística em Angola, a que chamamos “português de Angola” ou “angolano”, à
semelhança do que aconteceu ao brasileiro ou ao crioulo. Embora em estado
embrionário, o “angolano” apresenta já especificidades próprias (…). Pensamos
que, no nosso país, o “português de Angola” sobrepor-se-à ao “português padrão”
como língua segunda dos Angolanos.
— Amélia Mingas
Ivo Castro, professor de
Linguística na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, na sua Introdução
à História do Português, de 2006, refere que, para além das duas grandes
variantes bem definidas — a portuguesa e a brasileira —, existem outras duas
variantes em formação, a angolana e a moçambicana, sendo de esperar que estas
também se individualizem normativamente quando estabilizarem. No entanto, neste
momento, não há ainda expressão institucional, nem instrumentos prescritivos
consagrados que fixem as características dessas novas normas. O que se conhece
são aspectos típicos da oralidade que frequentemente afloram no discurso escrito
.
A língua literária em Angola
distinguiu-se sempre pela presença das línguas locais, expressamente em
diálogos ou interferindo fortemente nas estruturas do português. Embora quase
exclusivamente em língua portuguesa, a literatura angolana conta também com
algumas obras em kimbundu e umbundu.
Fonologia
O sotaque do português de Angola
é muito característico e bastante diferente, quer do português, quer do
brasileiro. Muitos sons abertos em Portugal e muito abertos no Brasil são pura
e simplesmente fechados em Angola. Por exemplo: “troféu” é dito como trofêu.
Por outro lado, o português angolano é mais cantado e arrastado por influência
das línguas africanas.
Ortografia
À exceção do Brasil, todas as
demais ex-colônias portuguesas, Angola inclusive, seguem o padrão ortográfico
de Portugal.
Apesar de ter participado na redação
do Acordo Ortográfico de 1990, firmado pelo Secretário de Estado da Cultura de
Angola, José Mateus de Adelino Peixoto, e nas reuniões da CPLP onde os dois
protocolos modificativos foram aprovados, o governo angolano ainda não
ratificou nenhum desses documentos. Em Março de 2010, Angola solicitou uma
moratória de três anos para ratificar o Acordo Ortográfico pela necessidade de
incluir o vocabulário específico do país no vocabulário comum. Até ao momento,
no país continuam a vigorar as normas do Acordo Ortográfico de 1945.
No entanto, em Angola recorrem-se
frequentemente ao uso de k, w e y na escrita de certos antropônimos, topônimos
e outras palavras que, em Portugal, se escreverem com c ou q, u e i,
respectivamente. Exemplos: Kunene em vez de Cunene; Soyo em vez de Soio; Kwanza
em vez de Cuanza; kimbundu em vez de quimbundo, etc.
Tendo por base um corpus oral
recolhido em 2004, no Dundo, província da Lunda Norte, através de trinta
entrevistas informais de falantes nativos de côkwe que utilizam o português
como segunda língua, Liliana Inverno desenvolveu um estudo no qual faz uma
análise dos fenômenos linguísticos típicos do que chama português vernáculo de
Angola (PVA). Os resultados testemunham uma forte influência do substrato
africano no português falado. Resta saber até que ponto este português
vernáculo influenciará uma futura norma angolana da língua portuguesa.
Disponível em: http://www.angolabelazebelo.com/o-portugues-falado-e-escrito-em-angola/
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