CRUZ E SOUSA
Tirei daqui
Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.
Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.
Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!
Nesses silêncios solitários, graves,
que chaveiro do Céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!
que chaveiro do Céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!
CRUZ E SOUSA, J. Poesia completa. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura /
Fundação Banco do Brasil, 1993.
Fundação Banco do Brasil, 1993.
Maldito dos versos musicais
Cruz e Sousa atravessou a vida num silêncio escuro. Errante, trêmulo, triste e vaporoso, o negro e sublime poeta nascido na Desterro de 1861 suportou o peito dilacerado com a convicção da glória.
O Cisne Negro não se amedrontou diante de austeras portas lacradas. Maldito pela grandeza e pelo elixir ardente de versos capazes de arrebatar paixões até a atualidade, quando se completam os cem anos de morte.
De pranto e luar, sangue e sensualidade, lágrimas e terra construiu uma obra de estímulo às paixões indefiníveis. Mestre do Simbolismo no Brasil, aliou genialidade a um meticuloso rigor. Celebrado só depois de morto, o Poeta de Desterro foi um homem apaixonado, autor de versos transcendentais que ganharam o mundo.
Ele via a perfeição como celeste ciência, mas não saboreou a imortal conquista. Antes de morrer tuberculoso em Minas Gerais, em 19 de março de 1898, o poeta ensinou a alma palpitante, a fibra e sobretudo que "era preciso ter asas e ter garras".
Forças adormecidas de angústia e sonho sustentam a vida e a obra de Cruz e Sousa, autor de versos incompreendidos porque inovadores e inseridos na trilha da vanguarda francesa da época. O Cisne ou Poeta Negro, como alguns o chamavam, ao mesmo tempo em que produzia uma poética que o colocou ao lado de Mallarmé, Rimbaud e Verlaine, também desafiou o mundo com sua escrita contundente. "Não lhe bastou ser poeta, foi um jornalista engajado com as lutas de seu tempo", situa o poeta paranaense Paulo Leminski em uma biografia publicada em 1983.
Negro numa sociedade escravocrata, Cruz e Sousa fez militância contra a escravatura. Pesquisadora do assunto, a professora-doutora Zahidé Lupinacci Muzart, do departamento de letras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), lembra que nos anos 80 do século 19, Cruz e Souza e seu grupo discutiam as questões cadentes de seu tempo e lutavam fundando jornais, folhas, semanários alternativos...
Ele não se fechou a sete chaves numa torre de marfim, não abraçando a causa abolicionista, confome equivoca-se o crítico Fernando Góes, em estudo introdutório para uma nova edição da obra completa do poeta, em 1943. "Não foi indiferente à causa, muito pelo contrário", salienta o estudioso Iaponan Soares, dono do acervo mais completo sobre Cruz e Sousa no Brasil.
Em 1961, quando preparou outra edição de obras completas de Cruz e Sousa, Andrade Muricy, em comemoração ao aniversário de nascimeto, "fez importante coleta de dispersos, entre eles algumas páginas abolicionistas, duas das quais publicadas em livros, mas poucos conhecidas: "O Padre" e "Crianças Negras", além de outros. Quando passou pela Bahia, em 1885, o poeta participou do movimento abolicionista local, proferindo palestra. Seus escritos sobre o tema só muito mais tarde chegaram ao conhecimento da crítica.
A comprovação mais evidente da militância no movimento pela libertação dos escravos é sua participação na sociedade carnavalesca "Diabo a Quatro", que, em 1887, desencadeia campanha pelo abolicionismo, com plena cobertura da imprensa. Um dos textos mais inteligentes contra o escravagismo, escrito no jornal "A Regeneração" e intitulado "O Abolicionismo", é contundente e articulado. "Não se liberta o escravo por pose, por chiquismo, para que pareça a gente brasileira elegante e graciosa antes as nações disciplinadas e cultas", dispara Cruz e Sousa.
O poeta ainda publicou em inúmeros outros jornais brasileiros, especialmente em Florianópolis e no Rio de Janeiro, para onde mudou-se definitivamente em 1890. Trabalhava por um magro salário.
Disponível em : > http://www1.an.com.br/cruz/index.html
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