Tirei daqui
No meu tempo de frequentador de aulas (“estudante” seria um exagero) era assim. A não ser quando a professora ou professor designasse o lugar de cada um segundo uma ordem, como a alfabética – e nesse caso eu era condenado pelo sobrenome a sentar no fundo da sala, junto com os Us, os Zs e os outros Vs -, os alunos com uma geografia social espontânea, nem sempre bem definida, mas reincidente.
Na frente sentava a Turma do Apagador, assim chamada porque era a eles que a professora recorria para ajudar a limpar o quadro-negro e os próprios apagadores. Nunca entendi bem por que se sujar com pó de giz era considerado um privilégio, mas a Turma do Apagador era uma elite, vista pelo resto da aula como os favoritos do poder e invejada e destratada com a mesma intensidade. Quando passavam para os graus superiores os apagadores podiam perder sua função e deixar de ser os queridinhos da tia, mas mantinham seus ligares e sua pose, esperando o dia da reabilitação. Como todas as aristocracias tornadas irrelevantes.
Não se deve confundir a Turma do Apagador com os Certinhos e os Bundas de Aço. Os certinhos ocupavam as primeiras fileiras para não se misturarem com a Massa que sentava atrás, os Bundas de Aço para estarem mais perto do quadro-negro e não perderem nada. Todos os Apagadores eram Certinhos, mas nem todos os Certinhos eram Apagadores, e os Bundas de Aço, por exemplo, eram excêntricos, introvertidos, ansiosos - enfim, esquisitos. Já os certinhos autênticos se definiam pelo que não eram. Não eram puxa-sacos como os Apagadores nem estranhos como os Bundas de Aço nem medíocre como a Massa e nem bagunceiros como as Criaturas do Abismo, que sentavam no fundo. Sua principal característica era os livros encapados com perfeição.
Atrás dos Apagadores, dos certinhos e dos Bundas de Aço ficava a Massa, dividida em núcleos, como o núcleo do Nem Aí, formado por três ou quatro meninas que ignoravam as aulas, davam mais atenção aos próprios cabelos e, já que tinham esse interesse em comum, sentavam juntas; o Clube de Debates, algumas celebridades (a garota mais bonita da aula, o cara que desenhava quadrinho de sacanagem) e seus respectivos círculos de admiradores, e nos do Centrão Desconsolado,que só tínhamos em comum a vontade de estar em outro lugar.
E no fundo sentavam as Criaturas do Abismo, cuja única comunicação com a frente da sala eram os ocasionais mísseis que disparavam lá de trás e incluíam desde o gordo que arrotava em vários tons ate uma proto-dark, provavelmente a primeira da historia,com tatuagem na coxa.
Mas isso tudo, claro, foi na Idade Média
NO MEU TEMPO - Luís Fernando Veríssimo.
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