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Imagem retirada daqui http://elainecozendey.blogspot.com
Não, não deste último carnaval. Mas não sei por que este me transportou para a minha infância e para as quartas-feiras de cinzas nas ruas mortas onde esvoaçavam despojos de serpentina e confete. Uma ou outra beata com um véu cobrindo a cabeça ia à igreja, atravessando a rua tão extremamente vazia que se segue ao carnaval. Até que viesse o outro ano. E quando a festa já ia se aproximando, como explicar a agitação que me tomava? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas. Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu.
Até os preparativos já me deixavam tonta de felicidade. Nunca me sentira tão ocupada: minuciosamente, minha amiga e eu calculávamos tudo, embaixo da fantasia usaríamos combinação, pois se chovesse e a fantasia se derretesse pelo menos estaríamos de algum modo vestidas - àidéia de uma chuva que de repente nos deixasse, nos nossos pudores femininos de oito anos, de combinação na rua, morríamos previamente de vergonha - mas ah! Deus nos ajudaria! não choveria! Quando ao fato de minha fantasia só existir por causa das sobras de outra, engoli com alguma dor meu orgulho que sempre fora feroz, e aceitei humilde o que o destino me dava de esmola.
Quando horas depois a atmosfera em casa acalmou-se, minha irmã me penteou e pintou-me. Mas alguma coisa tinha morrido em mim. E, como nas histórias que eu havia lido, sobre fadas que encantavam e desencantavam pessoas, eu fora desencantada; não era mais uma rosa, era de novo uma simples menina. Desci até a rua e ali de pé eu não era uma flor, era um palhaço pensativo de lábios encarnados. Na minha fome de sentir êxtase, às vezes começava a ficar alegre mas com remorso lembrava-me do estado grave de minha mãe e de novo eu morria.
Clarice Lispector (Conto da obra Felicidade clandestina)
claricelispector.blogspot.com
A Autora
Clarice Lispector é de origem ucraniana. Desde seu primeiro romance, Perto do coração selvagem, a autora revela um estilo que rompe com a estrutura clássica das narrativas. Suas personagens, aparentemente convencionais, são capazes de revelar, em ações simples do cotidiano, aquilo que o ser humano possui de mais íntimo e que até ele próprio desconhece. Por meio de uma percepção aguçada da realidade, Clarice nos convida a penetrar nos mistérios que estão dentro e fora de nós.
O Texto
No conto, a narradora rememora a infância, as lembranças que tem do carnaval. Por meio delas, retoma o conflito que existia entre a alegria externa e a tristeza interior vivida em casa, devido a doença de sua mãe. De modo especial, um desses carnavais é relembrado, já que nele o contraste entre a alegria e a dor parece ter atingido o seu ponto culminante. A autora consegue envolver o leitor no mundo psicológico da personagem, mostrando o universo interior de uma menina: seus conflitos internos, sua percepção da realidade misturada às suas emoções.
PARA VIVER JUNTOS - PORTUGUÊS / Marchetti, Greta / Strecker, Heidi / Scopacasa, Maria Virginia
O Gênero
Contos psicológicos são narrativas em que se exploram o tempo e o espaço interiores, isto é , o tempo que flui de acordo com o estado de espírito da personagem e o espaço que é o das emoções, dos pensamentos das lembranças. A narração desenvolve-se levada pelo fluxo da consciência da personagem, em que dimensões do tempo se fundem. Uma característica dos contos psicológicos é a epifania, momento em que algo do cotidiano ou inusitado traz à consciência traços da realidade que se mantinham obscuros. Outra característica é a presença do monólogo interior recurso de estilo presente na literatura contemporânea, em que se traz ao texto o que está no inconsciente das personagens. Assim, o tempo psicológico e cronológico confluem sem marcas linguísticas que indiquem claramente o limite entre um e outro. Há o irromper de um discurso ( o do interior de uma personagem) no outro (o da narrativa das ações das personagens).
A Autora
Clarice Lispector é de origem ucraniana. Desde seu primeiro romance, Perto do coração selvagem, a autora revela um estilo que rompe com a estrutura clássica das narrativas. Suas personagens, aparentemente convencionais, são capazes de revelar, em ações simples do cotidiano, aquilo que o ser humano possui de mais íntimo e que até ele próprio desconhece. Por meio de uma percepção aguçada da realidade, Clarice nos convida a penetrar nos mistérios que estão dentro e fora de nós.
O Texto
No conto, a narradora rememora a infância, as lembranças que tem do carnaval. Por meio delas, retoma o conflito que existia entre a alegria externa e a tristeza interior vivida em casa, devido a doença de sua mãe. De modo especial, um desses carnavais é relembrado, já que nele o contraste entre a alegria e a dor parece ter atingido o seu ponto culminante. A autora consegue envolver o leitor no mundo psicológico da personagem, mostrando o universo interior de uma menina: seus conflitos internos, sua percepção da realidade misturada às suas emoções.
PARA VIVER JUNTOS - PORTUGUÊS / Marchetti, Greta / Strecker, Heidi / Scopacasa, Maria Virginia
é lindo!
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